Primeiro a verdade. Parte da imprensa informa que o deputado federal Luciano Amaral, do PV de Alagoas, é o autor do projeto que proíbe delação premiada de investigados que estejam presos. Errado. O Projeto de Lei é do ex-deputado do PT Wadih Damous, apresentado na Câmara em 2016. Damous hoje é secretário Nacional do Consumidor no governo Lula. Amaral é autor de pedido de urgência na tramitação.

Agora um ajuste. O PL não “acaba com a lei de delação”. Como disse, veta a aplicação desse mecanismo nos casos em que o potencial delator esteja cumprindo prisão. O presidente da Câmara, Arthur Lira, decidiu levar o tema à pauta e provocou reação de todos os lados. Se este é ou não o momento para tratar do assunto, isso é uma coisa. Agora, o projeto não tem nada de descabido – pelo contrário, aprimora a aplicação da lei.

Na verdade, o instituto da delação foi avacalhado nos últimos anos, como se viu na bandidagem praticada, no varejo e no atacado, pela quadrilha da Lava Jato. Seria tedioso listar aqui todos os episódios nos quais promotores, delegados e juízes usaram a delação de forma espúria. Prejuízo maior foi para o direito sagrado da presunção de inocência. Uma ode ao autoritarismo, muito de acordo com tudo o que veio a seguir.

A aplicação da lei das delações gerou tantos erros que, de novo, a lista seria interminável – desde o princípio, lá em 2014, até os dias atuais. Está aí o caso Marielle Franco. Ronnie Lessa, um assassino de aluguel, falou pelos cotovelos sobre os mandantes do crime. Afora sua fala, zero de provas – como reconhece nos autos a própria Polícia Federal. Um perigo, porque isso acaba ajudando os criminosos. Lessa já vive os benefícios.

O caso da delação fajuta de Antônio Palocci é um clássico. O então juiz Sergio Moro tirou o sigilo do conteúdo e jogou na praça uma peça sob medida para beneficiar Bolsonaro – a menos de uma semana do primeiro turno em 2018. Um magistrado que fazia política com a toga de modo escancarado. E, para tanto, vejam só, se valia da lei das delações. Achar que isso é aceitável revela um estado de coisas capturado pela anomalia moral.

O mecanismo da delação pegou mesmo a partir de 2013 com a aprovação da Lei de Organizações Criminosas. Não demorou nada para que a gang da Lava Jato praticasse todos os tipos de abuso em função de seu projeto de poder. Até uma fundação privada seria montada para meter a mão em indenizações pagas pelos delatores. Um negócio de 2,5 bilhões de reais. Muito idealismo para “combater a corrupção”.

O vale-tudo das colaborações premiadas também rendeu fortunas para escritórios de advocacia. Era tudo combinado entre juízes, promotores e operadores do direito. Em incontáveis casos, o acusado – na cadeia – era avisado que ou fazia delação, ou dali não sairia. Mas o advogado do preso não queria a delação. Então o juiz e o promotor indicavam nomes para substituir a defesa. É uma bagaceira inédita na história do país.  

Delação é meio de obter prova, e não a prova em si. Mas quem disse que marginais, com ou sem toga, respeitam a lei? Os descalabros na aplicação desse dispositivo são suficientes para, no mínimo, uma profunda correção de rumo. Se agora ou depois, não sei. Provado está o seguinte: a ladainha dos paladinos no combate à corrupção elegeu escroques e encheu outros tantos de milhões de reais. Ignorar tal realidade é caso sério.