Arivaldo Maia, muito além do futebol

08/05/2024 14:00 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Na segunda metade dos anos 70 do século passado, um domingo não era igual a outro. Havia ocasiões nas quais esse dia da semana começava especial desde as primeiras horas. Céu todo azul e sol forte, a rua mais calma, outro ritmo nas esquinas e nas calçadas, a sinuca no Bar do Galego. A geografia e as pessoas eram as de sempre. Mas na verdade tudo parecia meio sobrenatural naquele dia. Era um domingo de CSA x CRB.

Sem nada além de um jogo de futebol que explicasse a vertigem, a ansiedade tomava conta, atravessando a manhã, avançando pela tarde, rumo às arquibancadas daquela arquitetura sagrada. O Trapichão superlotado balançava. As charangas. O CSA de Paranhos, Zé Preta e Ênio Oliveira. O CRB de César, Silva e Joãozinho Paulista. O tumulto e a muvuca no meio das torcidas completavam a antologia de experiências eternas.

Adiante, esse universo se apresentaria na linguagem literária, pelas páginas memoráveis de Nelson Rodrigues, Camus, Galeano, Tostão, Armando Nogueira e outros. Um esporte tratado como expressão da condição humana, entre o heroísmo e as mazelas da vida. O triunfo, a celebração e o trágico. Incrível como tudo isso – esse mistério de tantas camadas e dimensões – pode ser sintetizado na voz de um único homem: Arivaldo Maia.

Sim, ele é um dos maiores narradores de futebol de todos os tempos. À sua altura, no rádio brasileiro, é difícil citar dois ou três. Mas esse reconhecimento não explica o fenômeno. Um golaço, um gol de placa, um gol no Maracanã ou na várzea – todo gol era uma obra de arte quando narrado por esse alagoano de Palmeira dos Índios. Ele mobilizava, no estilo de narrar, a mitologia completa de um jogo imprevisível.

Depois de cada jogo narrado por ele, eu voltava para casa às pressas. Tinha que chegar a tempo de pegar a resenha na rádio Gazeta, com as entrevistas e os comentários de Antônio Torres. E, claro, atenção total quando Walmari Vilela anunciava os gols com estas palavras: “E Arivaldo Maia narrou assim para a maior audiência do rádio alagoano”. Aí sim, o jogo – e mais um domingo definitivo – estavam completos. Não sei explicar.

É provável que as lembranças tenham palavras fora do lugar. Afinal, são memórias de quase cinco décadas. Arivaldo Maia faleceu nesta terça-feira, e tenho certeza que uma multidão pensou e sentiu algo parecido com o que pensei e senti ao saber da notícia. No YouTube, ouvi suas narrações antigas. De repente, a transcendência.

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