Vinte anos de um atentado político

04/05/2024 00:12 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Há duas décadas, o ano de eleições municipais começava em Alagoas com um atentado político de repercussão nacional. No dia 31 de janeiro de 2004, nas primeiras horas de um sábado, o então deputado estadual Cícero Ferro sofreu uma emboscada na região de Minador do Negrão, no agreste do estado. Ele estava a caminho de uma fazenda de sua propriedade, numa caminhonete dirigida por seu primo José Maria Ferro.

Numa estrada de barro, o veículo foi interceptado por outra caminhonete onde estavam pelo menos cinco homens. Usando espingarda, pistola, revólver e até escopeta, os pistoleiros abriram fogo contra o carro do parlamentar. Enquanto o motorista tentava uma manobra para escapar, Cícero Ferro, armado com um revólver, reagia atirando. Com a desvantagem numérica, o desfecho da ação de cinema era pra acabar em morte.

Mas os alvos da tocaia escaparam – o que parecia impossível. Como eles conseguiram? Foi o que perguntei ao motorista José Maria, um dia depois, quando ele se recuperava num leito do Hospital Arthur Ramos, em Maceió. Na tarde daquele domingo que seria de folga, fiz contato com uma pessoa próxima à família do deputado e consegui acesso ao paciente. Na entrevista exclusiva, ele relatou o atentado em detalhes.

“Eu dei ré, e eles botaram pra cima atirando. Botei o carro na primeira e fui pra cima deles. Era o único jeito de tentar sair”. Na entrevista, eu estava com o fotógrafo Marco Antônio, que também largou a folga em nome da notícia – que não marca hora para acontecer. Na Gazeta de terça-feira, 2 de fevereiro, o motorista aparece no quarto hospitalar, com curativos e um braço enfaixado. Ele e o deputado saíram baleados.  

Alguns dias adiante, Cícero Ferro teve alta e recebeu a imprensa em sua casa, na capital, para falar pela primeira vez. A perícia afirmou que o carro do parlamentar foi atingido por 120 tiros. Ele foi alvejado oito vezes, como está na manchete da Gazeta – que ele exibiu durante a conversa com os jornalistas (foto). O deputado aponta os nomes dos autores do atentado. Todos têm o sobrenome Ferro. Era uma guerra em família.

Os meses seguintes foram de tensão, com o temor de uma eventual vingança e mais violência. O caso mudaria os rumos da disputa eleitoral em Minador do Negrão naquele ano. Em 2014, dez anos depois da emboscada, quatro dos cinco acusados foram condenados por tentativa de homicídio. Em dezembro de 2017, Cícero Ferro faleceu ao sofrer uma parada respiratória, após meses de tratamento contra uma grave doença.

Esse foi o último caso de atentado político que chamou atenção da imprensa nacional para Alagoas. A pistolagem é uma marca tão profunda no estado, que em 2012, por causa do alto índice de homicídios dolosos registrado naquele período, o jornal O Globo enviou um repórter para ver de perto a situação. E ele veio com tudo.

O destaque da reportagem é justamente o crime de oito anos antes. O jornalista foi a Minador, certamente para um contato direto com a realidade. O texto assinado por Chico de Góis começa com esta sentença: “Em Alagoas, matar é um verbo que se conjuga com frequência”. O cara requentou o factual, o presente e o passado.  

Apesar de uma presepada aqui, outra ali, com fanfarrões trocando ameaças, armados de teclados ou telas de celular, estamos em outra. Certas tradições não podem ser eternas. 

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