A força do rádio! E cadê o França Moura?

27/04/2024 00:14 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Do alto de uma história centenária, nem parece que o rádio teve sua morte decretada lá atrás, quando mal chegara aos 30 anos de existência. Com a estreia da televisão no Brasil, em 1950, as vozes do apocalipse profetizaram a decadência daquele que era até então o grande veículo de comunicação do país. E não era para menos. Assim que a TV avançou no mercado e nos lares, a dominação radiofônica sentiu o baque.

Em alguns anos, a novidade tirou dos microfones do antigo meio os maiores nomes da música, do humor e das radionovelas. Os astros da voz, os cantores das multidões e as cantoras do rádio estavam com os dias contados. Atores e atrizes do radioteatro, as celebridades da época, seriam contratados para integrar o elenco das telenovelas e programas de auditório. Não dava para competir com a imagem.

Era o fim da Era de Ouro no rádio brasileiro, como ficaria conhecido o megassucesso sobretudo dos anos de 1940. Mas, apesar do terremoto com a mudança de hábitos no público, o veículo se adaptou aos novos tempos. A aposta no jornalismo foi um dos caminhos para sobreviver com relevância. As transmissões do futebol também foram decisivas na resistência. Ágil ao noticiar, o rádio seguiu firme na conexão com o povo.

Com altos e baixos nas décadas seguintes, a explosão da internet parecia uma nova ameaça àquela antiquada forma de comunicação. Mas deu-se o contrário. O rádio está em alta na atualidade, com programas de forte audiência, influentes no debate político. E, num lance de ironia, se vale da TV e da internet para crescer. Essas transformações também se deram em Alagoas. Emissoras estreiam programas e novos locutores.

Mas por aqui alguma coisa mudou pra valer. Os apresentadores, com méritos e talento, me parecem certinhos demais, com harmonização de estilo. Tudo muito roteirizado, com uma obediência retilínea ao que está escrito. O improviso desapareceu, e todos fogem da controvérsia, dos debates, da provocação. Mudar pode ser ótimo, é claro, mas eu diria que falta vibração, conflito e até bagunça – no bom sentido. Cadê o França Moura?

Nos últimos anos ele andou pela internet, mas, até onde sei, hoje está fora do ar. O comunicador que fez história nas manhãs da rádio Gazeta não tem sucessores – o que torna sua trajetória ainda mais singular. Uma das qualidades vitais de seus programas era a multiplicidade de vozes. Mesmo em emissoras controladas por políticos – como Fernando Collor ou João Lyra – todas as correntes tinham direito a se manifestar.

Por décadas, governadores, prefeitos, parlamentares, sindicalistas, autoridades em geral, famosos e anônimos, governo e oposição – todos falaram para França Moura. De uma entrevista com Heloísa Helena, pulava para Thomaz Nonô e, no meio, olha o repórter com a notícia urgente de algum ponto da cidade. O líder comunitário batia no gestor público, que entrava ao vivo para se explicar – e rolava o bate-boca pelo telefone. 

Informações em primeira mão e entrevistas exclusivas sacudiam o coreto e mudavam o rumo dos acontecimentos. Com isso, o programa – que durava a manhã inteira – pautava as redações da imprensa alagoana. Carismático, voz inconfundível, o radialista comentava as pautas do dia e as polêmicas, passeando entre a indignação, a ironia e a piada, no tom preciso em cada notícia, em cada história. Não é pra qualquer um.

Não defendo uma receita, pelo contrário. E nem defendo a imitação, o que seria um desastre. Temos craques na história do rádio alagoano. Mas suspeito que, no tipo de programa que fez, França Moura não tem rival à sua altura. Personalista, é alguém incompatível às emissoras tradicionais nos dias de hoje. Coisa estranha: os mais jovens na linha, bem-comportados, na ribalta; e um veterano, uma lenda rebelde, em silêncio.

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