Calçada da Fama para desembargadores: o mundo paralelo da magistratura brasileira

24/04/2024 14:22 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Recife é a capital mundial do frevo e do Galo da Madrugada. Numa trama que desafia os deuses, o solo pernambucano deu ao mundo João Cabral, Bandeira e Nelson Rodrigues. Com histórico de gênios para a humanidade, ninguém imaginaria que um magistrado viesse anunciar uma Calçada da Fama para homenagear presidentes do Judiciário de Pernambuco. Mas foi o que decidiu o desembargador Ricardo Paes Barreto.

Atual comandante daquela corte estadual, Barreto informou que sua iniciativa tem tudo para fortalecer o turismo da cidade. Segundo ele, os ex-presidentes vão moldar as mãos e deixarão suas assinaturas na calçada do prédio-sede do Poder Judiciário. “A gente só via isso em Hollywood e no Maracanã”, explica o autor da ideia. E justifica: “Vai ficar uma coisa muito bonita, uma atração para os turistas, para todos que visitam nossa cidade”.

Reportagem no Jornal da Band contou a história de uma praça na zona sul de São Paulo que, de repente, apareceu cercada com o aviso de “terreno particular”. Não se sabe como, um juiz aposentado registrou a área em seu nome num cartório de imóveis. A prefeitura briga na Justiça para retomar o espaço público. Enquanto isso, uma cerca com cadeado e tudo impede o acesso aos bancos e jardins que estão ali há décadas.       

Em março, dois desembargadores do TJ de Goiás brilharam em cena vergonhosa durante julgamento de um caso de assédio sexual contra uma mulher. Um deles disse que a denunciante era “muito sonsa”. Achando pouco, reclamou de uma “caça aos homens”. Outro magistrado se disse “cético” sobre denúncias de assédio. Para ele, acusações desse tipo “viraram modismo”.  Ou seja, transformaram a vítima em culpada. É podreira.

Semana passada, o ministro do STF Kassio Nunes Marques suspendeu uso de tornozeleira pelo bicheiro Rogério Andrade. Ele também ficou livre da obrigação de se apresentar ao sistema prisional. O bicheiro é acusado de crimes que, somados, passam de uns cem quilômetros. O patrono da escola de samba Mocidade Independe de Padre Miguel é apontado como líder de organização criminosa e autor de vários assassinatos.

Sensível aos apelos do milionário, em 2021 o mesmo Nunes Marques foi duríssimo com uma terrível criminosa de Minas Gerais, acusada de furtar 18 barras de chocolate e uma caixa de chicletes. A Defensoria Pública pediu absolvição, alegando o “princípio da insignificância”. Implacável, o ministro rejeitou o argumento e manteve a condenação. Os produtos foram avaliados em 50 reais, uma fortuna pelos critérios do juiz do Supremo.

No Rio, mulher em tratamento psiquiátrico é presa após ir ao banco sacar uma grana com o tio que, ao chegar à boca do caixa, estava morto. Em São Paulo, bêbado, um playboy que dirigia um Porsche a 150km/h matou um motorista de aplicativo. A Justiça negou liberdade para a mulher, mas deixa o vadio milionário responder solto pelo assassinato. Os critérios nas decisões mudam de acordo com as cifras e os sobrenomes.

Dias atrás citei Conrado Hübner e sua ideia de magistocracia. Os episódios listados acima, desgraçadamente, provam que ele tem razão. Fora da lei, é a barbárie. Judiciário forte e independente é base da democracia. Mas quando a toga produz iniquidades, o estrago é perverso – e, além da vítima específica, fere toda a sociedade. Coisas assim indicam que alguns juízes agem como senhores absolutos, num planeta paralelo.

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