Uma mudança histórica no jornalismo da Rede Globo

07/04/2024 01:45 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Uma multidão de caras novas povoa os telejornais da Rede Globo, incluindo o de maior audiência – o Jornal Nacional. São repórteres de variados sotaques, de emissoras afiliadas nas cinco regiões do país. Uma tremenda novidade. Nem sempre foi assim. Durante décadas, a regra inegociável era esta: no JN todas as reportagens, de qualquer parte do Brasil, deveriam ser apresentadas por um “repórter de rede” – basicamente as estrelas sediadas no Rio e em São Paulo. O “repórter local” aparecia, no máximo, no Bom Dia Brasil e no Jornal Hoje. E, mesmo assim, não era fácil.  

Escrevo com conhecimento de causa. Durante dez anos trabalhei na TV Gazeta e dirigi o jornalismo da afiliada. No fim dos anos 90, o então diretor do jornalismo global, Evandro Carlos de Andrade, mudou a situação e abriu a tela para todos. Meses depois, voltou atrás. Ele acabou se dobrando ao argumento dos demais diretores: “jornalista desconhecido” derrubava o Ibope do telejornal.

Ouvi essa explicação do então diretor da Globo em São Paulo, Amauri Soares, durante um encontro com diretores de afiliadas do país inteiro. Andrade, uma lenda no grupo Globo, não dava bola para medalhões – daí sua decisão de abolir a regra do tal repórter de rede. Mas, como disse, diante do apelo sobre a audiência, desistiu da briga.

Com essa norma em vigor, muitas afiliadas bancavam a contratação de um repórter afamado imposto pela Globo. O profissional deixava as redações do Rio ou de SP e passavam a morar em capitais do Norte e Nordeste, por exemplo. Pelo acordo (compulsório), o jornalista trabalhava exclusivamente para os telejornais da rede – uma extravagância que hoje parece brincadeira.

Numa afiliada sem um nome da rede em seus quadros, toda vez que uma notícia local merecia cobertura para todo o Brasil, a direção da Globo escalava um repórter às pressas para fazer a reportagem. Caso contrário, o assunto entrava no JN como “nota coberta”. No jargão televisivo, é quando um fato é noticiado com imagens e narração do apresentador do telejornal – sem a assinatura de um repórter, claro.

Exemplo definitivo de como essa presepada ficou no passado é o caso da fuga dos detentos do presídio de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Afora os telespectadores daquele estado, tenho certeza que ninguém conhecia um jornalista chamado Ayrton Freire (foto). De repente, ele aparece todos os dias no Jornal Nacional, com longas reportagens e entradas ao vivo. Seria algo impensável nos tempos daquela velha regra.

É evidente que havia um miserável preconceito no padrão adotado. Hoje a Globo se gaba de prezar pela diversidade. O discurso é bonito. Mas o que levou a emissora a abandonar o desprezo pelos jornalistas de suas afiliadas foi algo sem tanta nobreza assim. 

Para sintetizar, uma tempestade perfeita mudou tudo na imprensa brasileira, atropelada pelas redes sociais da nova ordem. E faltou dinheiro para bancar a farra do repórter-celebridade viajando pra todo lado, com mordomias e privilégios descabidos.

Evandro Carlos de Andrade morreu em 2001. Não viveu para ver sua ideia triunfar de modo acachapante. Os burocratas da gestão Globo de sua época estavam grotescamente errados.

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