O jogo da imitação, com o ótimo Benedict Cumberbatch, retrata parte da vida do brilhante matemático britânico Alan Turing, que se tornou um grande herói sem armas (que não a inteligência) na 2ª Guerra Mundial. Ele e sua equipe ajudaram a decifrar os códigos nazistas - até mesmo o “Enigma”, que parecia inescrutável. Não foi pouco: graças a eles, os Aliados conseguiram se antecipar, surpreendentemente, aos ataques e reações das forças alemãs.

Isso não foi suficiente para evitar, no pós-guerra, que Turing viesse a ser perseguido pelo preconceito mais odioso e covarde da sociedade e do Estado britânico. A morte, de forma estúpida, foi a recompensa que ele recebeu pelos seus préstimos à humanidade - e no momento em que a barbárie avançava sobre toda a Europa.

Homossexual, o cientista foi condenado pelo seu comportamento privado. Vale lembrar as opções de sentença que a Justiça inglesa lhe ofereceu: dois anos de prisão, misturado com todos os tipos de criminosos – que também deveriam odiar gays –, ou ser tratado com injeções de hormônio: uma castração química, que, entre outras coisas, lhe faria desenvolver os seios.

Vilipendiado na alma, o grande personagem da história humana optou por comer, solitariamente, uma maçã, que ele próprio havia envenenado com cianeto. Foi a maneira que encontrou de manter sua dignidade e honradez. 

Foi um crime de Estado, é verdade, como tantos outros que aconteceram, e não apenas na Grã-Bretanha - mas lá também. Aliás, antes dele (em 1900), o dramaturgo, poeta e aforista Oscar Wilde - autor de O retrato de Dorian Gray - recebeu a mesma condenação e pelo mesmo motivo.

É claro que não precisamos buscar exemplos históricos e/ou internacionais da crueldade e da violência (inclusive do Estado armado) de que homossexuais são vítimas todos os dias. O cotidiano brasileiro está repleto de casos que nem sempre aparecem na mídia. A maioria, por óbvio – e não é clichê –, de pobres e pretos. 

Graças à mobilização desse significativo agrupamento social, gente igual à gente, essa violência passou a ganhar visibilidade, provocando a solidariedade da parcela da nossa espécie que entende que a vida e o prazer são direitos de todos, sem exceção. Aos diferentes, tratamento igual, que o respeito não conhece as fronteiras estabelecidas pelos que se acham iguais entre si, mas melhores e sem máculas.

E, cá para nós, sempre cabe em qualquer texto alguma ciência que possa ajudar a iluminar um pouco a conversa. Pois bem: Edward Wilson, considerado o mais importante biólogo vivo, trata do tema em A conquista social da Terra. Vale a pena lembrar: 

- A homossexualidade empenhada, com a preferência aparecendo na infância, é hereditária. Isso significa que o traço nem sempre é fixo, mas parte da probabilidade maior de uma pessoa se tornar um homossexual é determinada por genes que diferem daqueles que levam à heterossexualidade. Descobriu-se que a homossexualidade influenciada pela hereditariedade ocorre em populações do mundo inteiro com uma frequência grande demais para se dever somente a mutações.

Ou seja: ela existe desde sempre e sempre existirá - para desespero e dor profunda dos homofóbicos, que destinam uma parcela generosa do seu ódio ao código genético humano. É como se alguém manifestasse a mais agressiva fúria ao fato de que há pessoas no planeta com nariz grande ou que ficam carecas (estou perdido). 

Turing recebeu, é verdade, uma bela homenagem pelas mãos do escritor Ian McEwan, em Máquinas como eu, romance em que o cientista imolado surge como exemplo de ser humano dotado da mais honesta empatia, incluindo no seu rol de afetos até os robôs (é ler, porque vale a pena).

Mas tem um outro lado dessa história: Edgar Hoover, um dos homens mais poderosos dos EUA no século XX (comandou com mão de ferro o FBI, de 1924 até 1972), acusava e perseguia gays, destruindo suas carreiras e suas vidas. Moralista/fundamentalista, hipócrita, portanto, era ele também homossexual – adorava, por exemplo, vestir as roupas íntimas da mãe, o que a literatura biográfica tratou de registrar. 

Confesso que lembro sempre desse personagem quando vejo alguém espumar de raiva ao falar de um gay, anônimo ou conhecido, ou se indignar ao ver um homossexual entre os "normais", por ser aquele um dos males do mundo. 

Imagino, pois, que o pior inimigo que alguém possa vir a ter é ele mesmo, quando isso acontece. E não adianta ter raiva: o espelho não admite mentiras.