20 REAIS

22/03/2024 11:39 - Artigos
Por Por Jeno Oliveira
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Quase todos os anos íamos da uma espiada no Pinto da Madrugada nas prévias carnavalescas de Maceió. O local de encontro era sempre o mesmo: defronte ao hotel Sete Coqueiros, às margens da sublime e azul praia da Pajuçara. Meu pai, o homem mais pontual do planeta terra, chegava sempre as 09 horas da manhã. Quando o celular tocava, eu já sabia do que se tratava: - Já vem aonde?

Em 2017, reunimos uma turma seleta em volta da mesa: seu compadre Zé Carlos, Petrúcio das meninas, tio Noca, tio Jilson -seus irmãos - eu, e o número 2, meu irmão Jaminho – que passou a renegar o apelido diminutivo depois que superou os 1,90 de altura e ganhou merecidamente o título de coronel.

Entre um bloco e outro, um sol escaldante e reiterados copos de cervejas, as resenhas se estenderam por toda aquela manhã de frevo e de presepadas. Perto dos irmãos e dos amigos de longas datas ele era ainda melhor – se é que este feito fosse possivel. Quando um folião apareceu em nossa frente com uma camisa de algodão que dizia “Só o cume interessa”, meu pai não deixou passar. E aí Petrúcio? E apontou o dedo indicador para a citação de duplo sentido. Ele leu a frase com dificuldade, entrouxou a cara e foi sincero: - Deixei esse ramo faz tempo, Job! Por força da contingência; óbvio! Todos nós rimos escandalosamente.

Depois que o bloco do Pinto passou, as 15:30 fomos para o bar do Gordo, no bairro de Santo Eduardo, boteco sagrado aos botafoguenses residentes em Maceió, assistir ao clássico Botafogo x Vasco. Compadre Zé Carlos e tio Noca – não me recordo porque - pegaram rumos distintos aos nossos. Continuamos na cerveja e pedimos uns caldinhos de dobradinha para ludibriar a fome. Já eram umas seis e meia da noite quando o jogo terminou. Petrucio, que já estava mais para lá do que para cá, nos surpreeendeo a todos com seu questionamento fora de hora: - Quanto foi o jogo, Job? - Como é rapaz? - É brincadeira um negócio desse. Toda vez que o Botafogo vence a turma do contra se faz de desentendido.

Meu pai, que era técnico em contabilidade, bom de contas e tinha sido um eximio escriturário – profissão extinta - na usina Santo Antonio por muitos anos se encarregou de conferir as despesas e arrecadar o dinheiro das despesas. Petrúcio ficou por último e, quando pareceu ensaiar um pedido de anistia, caiu na besteira de colocar metade do único 20 reais que tinha para fora do bolso da bermuda. Como um gato, meu pai deu um bote na cédula solitária do amigo, que não teve direito de terminar a frase e nem de tomar a saideira, que era provavelmente aquilo que ele pretendia fazer assim que chegasse em casa. Difícil mesmo, foi encarar sua cara de luto até o deixarmos em sua casa.

 

Crônica – Jeno Oliveira

Maceio, 20 de março de 2024.

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