As trovoadas de janeiro provavelmente espantaram as moscas teimosas do mato. Como gato, elas não devem gostar nem de água e nem de frio. Só pode! Choveu, elas se dispersam das caatingas e das plantações e invadem a cidade. Em bando e euforicamente organizadas com um único propósito: pertubar a refeição alheia. Seja ela a matinal ou a do meio-dia, pois quando o sol vai embora, elas também milagrosamente somem.
Pular da cama as quatro da manhã para uma curta viagem de negócios tem lá suas vantagens. O banho despertador, o pingado preto só pra dizer, o pôr do sol, o especial do Roberto Carlos na rádio local de alcance estadual e o café da manhã regional de beira de estrada. Providencial em quase tudo, porque além de sanar a fome, a gente estica os nervos e divide a viagem em dois tempos.
Na estrada praticamente vazia, os raios vão surgindo aos poucos, na mesma proporção da vontade de comer. Logo, noto que o ponteiro no velocímetro aumenta de cem para cento e vinte. No comando da direção, meu sócio lembra de um ovo frito que comeu em um hotel de beira de estrada na cidade do fumo. É aquele que fica em frente a uma giratória. Sei qual é, eu disse, e pedi para ele aliviar o pé, pois no banco traseiro da caminhonete dormia inocetemente meu primogênito. Não costumo subestimar nada, muito menos a estrada.
Quando chegamos no hotel, olhamos para o Davi com pena. Ele dormia alheio ao desejo acentuado do condutor do automóvel. Ainda giramos, paramos em frente ao hotel, a boca salivou lembrando do ovo frito, mas, desistimos de acordá-lo. Concordamos em não comungar com demasiada covardia. Fizemos a volta e seguimos em frente, frustrados, mas em paz com Deus.
Mas adiante seus olhinhos abriram e ele despertou feliz e tagarela. Já podiamos parar num desses simpáticos lugares de gente boa e hospitaleira. Ficamos atentos e logo vimos uma vila de restaurantes a nossa direita. Quando nos sentamos na mesa e fizemos o pedido, as moscas deram o ar da graça. Eram muitas e enxeridas. Meu sócio pensou em desistir. São as trovoadas, eu disse. Antes do cuscuz, a carne, o pão e ovo chegarem, ele foi conferir a cozinha. O pão tá preto! De que? Perguntei só por perguntar, enquanto eu e o Davi ríamos de seu desespero e comíamos sem culpas e sem zelo!
Crônica – Jeno Oliveira
Maceio, 06 de fevereiro de 24.