Na semana que passou, Mark Zuckerberg, dono do Facebook, foi obrigado a pedir desculpas públicas, no Congresso dos EUA, pelas mortes nas quais sua plataforma tem uma inegável cumplicidade.
Fez isso, em tom grave, mas sem manifestar qualquer constrangimento, até porque ser um bom ator não parece ser um dos seus talentos. É um homem de gelo, vocacionado a ganhar sempre muito dinheiro, mesmo que contribua para deixar um sem-número de cadáveres no seu rastro.
Claro que ele não matou essas pessoas diretamente - elas foram e são vítimas da crueldade das redes sociais, uma das manifestações mais intensas por esses tempos. Mas está longe de ser um inocente. Já publicamos aqui mesmo, e volto a fazê-lo, o depoimento de um ex-dirigente da empresa de Zuckerberg, sobre o mal que ela fez e faz. Sean Parker foi o primeiro presidente do Facebook. Hoje um homem amargurado, confessou:
- Eu, Mark, Kevin Systrom, no Instagram, todas essas pessoas, tinham consciência disso (do mal que provocaram). E fizemos isso mesmo assim. Isso muda a relação de vocês com a sociedade, uns com os outros. Só Deus sabe o que as redes sociais estão fazendo com o cérebro de nossos filhos.
O ideal do invento, propagado por Zuckerberg, era fantástico: possibilitar o encontro de pessoas do mundo inteiro, independentemente de credo, origem ou classe social. Só que não. Ficou evidente que ele conseguiu, na verdade, explorando a vulnerabilidade e a fragilidade humanas, tornar-se um dos homens mais ricos do planeta. Seu pedido de desculpa, no entanto, não vale um real.
Ora direis: entra quem quer, e sai quando quiser.
Se eu fosse um cínico, concordaria com a afirmação, na linha do “quem for podre que se quebre”, desconhecendo as frustrações, ressentimentos, a solidão e a sensação de impotência dominante entre homens e mulheres – a infelicidade, portanto. Entendo a criatura humana como sendo o misto do que defendiam Hobbes e Rousseau: natureza e ambiente, amalgamados, a ditar o nosso comportamento. E assim nos parece: o homem vai domando e superando, progressivamente, a Natureza; mas não consegue superar a própria natureza, hoje exposta feito um tumor de grandes proporções nas redes sociais. Aliás, como nunca na história humana.
Fato concreto é que cada nova invenção tecnológica, mesmo a que nos parece apenas benigna, exige uma nova legislação, um novo padrão de comportamento, para evitar que os instintos mais perversos da nossa espécie se manifestem sem freios – e sem punição -, exigindo-nos a atenção devida ao eterno embate entre os nossos Mister Hyde e Dr. Jekyll particulares.
Por isso que o mundo inteiro hoje, dos países mais avançados e com maior acesso ao conhecimento formal até os mais pobres e esquecidos procura encontrar uma regulamentação eficaz para as redes sociais, evitando a destruição definitiva da tolerância e do respeito entre as pessoas diferentes. O que parece até simples, mas que se apresenta como um grande desafio da humanidade no início do novo milênio.
Se Zuckerberg e similares nunca se deixaram iludir com a sua invenção, medindo suas consequências para as sociedades e os indivíduos, o mesmo não se pode dizer sobre Santos Dumont, o genial brasileiro, que inventou – entre outros – o avião.
Ao ver seu invento usado na Primeira Guerra Mundial, ele disse que se julgava diretamente responsável pelas mortes provocadas com a ajuda do aviões. “O que fiz eu?” perguntava atônito, sem, entretanto, perdoar-se pela falta de visão de futuro (segundo o próprio):
- Eu uso uma faca para cortar o queijo, mas ela também pode ser usada para apunhalar alguém. Fui um tolo ao pensar somente no queijo.
Confesso que não me dou mais o direito, conhecendo um pouco da alma humana e dos tempos de agora, de ser ingênuo quanto às redes sociais e suas tragédias. Aos que me questionam por não estar nas redes e falar tão criticamente sobre elas, sempre respondo, em tom de blague: eu não preciso morar no hospício para saber da loucura.

Ricardo Mota