O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 11 de setembro, pela constitucionalidade da contribuição assistencial para custear o funcionamento de sindicatos. O julgamento, que terminou 10 a 1, alterou a decisão de 2017 da Corte que havia julgado inconstitucional a cobrança da contribuição a trabalhadores não filiados a sindicatos.

A questão do financiamento sindical tem sido discutida entre trabalhadores e sindicatos em todo o Brasil.

Em entrevista ao CadaMinuto, o advogado trabalhista Filipe Bastos esclarece as diferenças entre o imposto sindical, que era compulsório para todos os trabalhadores e diretamente retirado da folha de pagamento, descaracterizado pela Reforma Trabalhista de 2017, e a contribuição assistencial tornada legal pela decisão do STF.

O advogado também falou sobre a destinação do valor pago pelo trabalhador, se há possibilidade de alguma cobrança retroativa, sobre como o trabalhador pode cobrar que o sindicato atenda suas demandas e como fazer caso opte por não contribuir.

Felipe Bastos, advogado trabalhista / Foto: Cortesia

Confira a entrevista:

Existe diferença entre a contribuição sindical tornada legal pela decisão do STF e o importo sindical descontinuado na reforma trabalhista de 2017? Quais?

– Há uma diferença entre imposto sindical e contribuição essencial. O imposto sindical ou contribuição sindical, como também é conhecido, é destinado ao custeio do sistema sindical e equivale a um dia de remuneração do trabalho do contribuinte. Ele tem um caráter obrigatório antes da reforma trabalhista, que havia em 2017, e com a reforma ele só pode ser cobrado quando expressamente autorizado pelo trabalhador. Ele é usado para o sindicato oferecer benefícios aos trabalhadores, como creches, bibliotecas, atendimento médico, educação e formação profissional. Já a contribuição assistencial, ela tem a finalidade de revigorar a entidade sindical depois de uma campanha de uma convenção coletiva, uma campanha de melhorias das condições de trabalho, por assim dizer. Então, ela serve para custear o economista que calculou a atualização de salário daquele ano, o advogado que vai discutir a convenção coletiva e dispor de suas cláusulas, para restituir campanhas, assembleias etc. O valor da contribuição assistencial, ao contrário do imposto sindical, deve ser fixado em negociação coletiva pelo sindicato em assembleia.

 

Qual a destinação do valor pago pelos trabalhadores?

– A contribuição compulsória, que a gente está se referindo, é a contribuição assistencial que tem uma finalidade específica: repor os cofres do sindicato nas despesas com negociação coletiva. Então, não tem como o sindicato não prestar esse serviço, porque a negociação coletiva é onde vão vir direitos trabalhadores, reajuste salarial, a garantia, em alguns casos, de cesta básica, em outros casos aumento no valor da hora extra etc. Então, está lá. Essa contribuição compulsória que a gente está tratando aqui é a contribuição assistencial e vai estar lá garantida na convenção coletiva.

A contribuição assistencial, ela tem o objetivo de repor os cofres do sindicato após uma campanha de negociação coletiva. Então, em uma negociação coletiva, o sindicato contrata o economista, que vai lá fazer uma análise de mercado, proposta de salário, para ver se houve de fato um aumento no lucro das empresas, para poder ver se a proposta salarial é compatível, se a proposta salarial feita pelo sindicato patronal também está dentro da realidade, dentro da realidade de mercado. Também se contrata advogado para discutir o texto da convenção coletiva. Então, ela serve para restituir os valores pagos pelo sindicato, seja com o economista, com advogado, seja com assembleias, seja com reuniões. Ela tem essa função pontual.  

Mesmo o Supremo afirmando que a cobrança é facultativa, alguns sindicados do país já estão procurando meios de tornar o pagamento obrigatório. Essa obrigatoriedade pode voltar a ser regra?  

Diante da decisão do STF, não há como tornar o pagamento da contribuição assistencial obrigatória. A decisão foi taxativa, que é constitucional a cobrança, desde que assegurado o direito de oposição dos trabalhadores não filiados. Evidente que essa decisão ainda não transitou em julgado, ou seja, da decisão ainda cabe algum recurso que pode vir a alterar o texto. Porém, dessa decisão não há como o sindicato transformar essa contribuição assistencial em obrigatória.

 

De que forma o trabalhador que não desejar contribuir informará essa decisão?  

– Deve ser convocada uma assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança assistencial e nessa ocasião o trabalhador deve se opor ao pagamento dela. Então, constará em ata a oposição e ele não poderá ser cobrado desse pagamento. Essa é a previsão contida na decisão do STF.

Conforme a minuta do PL, o teto da contribuição sindical irá representar até três dias e meio de trabalho. Na prática, como será esse teto e a periodicidade do pagamento?

Não há teto, nem previsão de periodicidade de cobrança da contribuição assistencial. Ela vai constar na convenção coletiva da categoria. Então, vai variar conforme a categoria e, possivelmente, será discutida quando se der publicidade a contribuição, e quando for feita a assembleia, para que os não sindicalizados possam optar ou não pelo pagamento. O valor e a periodicidade deverão ser discutidos com os pares, os trabalhadores, em assembleia.

 

Embora o STF não tenha estipulado valor? Há estimativa de quanto ou a porcentagem a ser pago pelo trabalhador?

– Não há estimativa de quanto será a porcentagem, nem de quanto será pago pelo trabalhador. Isso vai variar muito conforme o sindicato e conforme a quantidade de trabalhadores inscritos, porque essa despesa deve ser diluída, considerando a quantidade de trabalhadores, certo? Sem prejuízo de trabalhador que se sente lesado ir ao judiciário discutir o valor da cobrança, se ele entender que essa cobrança é abusiva. Temos decisões, inclusive do TST, favoráveis à discussão do valor da contribuição assistencial em juízo.

Há também sindicatos que querem cobrar o retroativo pelos cinco anos que a contribuição foi descontinuada. Isso pode vir a valer? E de que forma o trabalhador pagaria esse retroativo?

Considerando que para o pagamento da contribuição assistencial deverá haver uma manifestação individual do trabalhador não sindicalizado, para essa manifestação deverá ser convocada uma assembleia para esses fins com ampla publicidade. Não acredito que nenhum sindicato tenha feito isso nos últimos cinco anos. Então, me parece desarrazoado crer que um sindicato venha fazer essa cobrança retroativa. Porém, mesmo que um sindicato tenha realizado a referida assembleia, estamos ainda esperando que o STF faça uma modulação da sua decisão, que foi erga hominis, ou seja, para todos. Então, ela que vai ser aplicada para todos os sindicatos. Geralmente, quando há uma decisão que causa um impacto financeiro, o STF tende a modular essa decisão. Ele tende a dizer quais os efeitos dela, quando ela começa a valer e tende a criar regras para o período anterior à decisão, se o Supremo entender que deve ser cobrado de forma retroativa. Considerando que o trabalhador é quem fará o pagamento e que o trabalhador é hipossuficiente em relação ao sindicato, acredito que não haverá a modulação no sentido de prejudicar o trabalhador nos últimos cinco anos.

 

Um estudo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que os encargos trabalhistas e outros custos associados ao emprego regulado pela CLT somam mais de R$ 310 bilhões gastos por ano e que isso provoca um grande impacto no PIB do país.  Uma possível volta do imposto sindical pode significar um crescimento desse impacto?

– Vale ressaltar que o STF julgou constitucional a contribuição assistencial, não imposto sindical. Imposto sindical não vai retornar. A contribuição assistencial é devida pelo trabalhador ao sindicato para repor as despesas havidas com negociação coletiva. Então, ela não vai causar nenhum impacto de encargos tributários ao empresário. O custo dessa cláusula, dessa contribuição assistencial, é todo do trabalhador, revertido ao sindicato.

Muitos trabalhadores  afirmam que, ainda que contribuam, os sindicatos não prestam a assistência devida quando eles necessitam e preferem não contribuir. No caso de uma contribuição compulsória, como eles podem cobrar dos sindicatos o apoio às suas demandas?

Os trabalhadores insatisfeitos com o sindicato podem fiscalizá-lo. Eles podem se candidatar a cargos no sindicato, apoiar novas chapas. Então, a forma que você tem de cobrar melhorias sindicais é você participar ativamente da política sindical. Não adianta querer melhorias e não estar inserido dentro do bojo da discussão sindical. O sindicato não é o inimigo do trabalhador, ao contrário, ele está lá para financiar melhorias para a categoria, a quem ele presta o seu serviço. Se o trabalhador está insatisfeito, ele pode ir ao sindicato se sindicalizar e fazer a sua fiscalização. Ele pode exigir do sindicato como se exigir de um político. E não satisfeito, ele ainda pode integrar uma chapa, ele pode se candidatar à presidência daquele sindicato ou a qualquer outro cargo.

 

Qual a sua recomendação para as empresas e os trabalhadores caso o novo imposto se torne lei?

– Eu recomendo aos trabalhadores o máximo de atenção às comunicações do sindicato. Em dado momento o sindicato vai convocá-los para uma assembleia, para discutir contribuição essencial e eles devem participar dessa, sendo sindicalizado ou não, que é lá onde o trabalhador vai expressar a sua vontade de contribuir ou não com essa contribuição essencial.  

Já aos empresários, recomendo que abram suas portas ao sindicato, para que possam fazer suas assembleias, e não descontem nenhum valor de contribuição essencial sem que o sindicato lhe informe, mediante ata de assembleia devidamente publicada, com quais trabalhadores concordaram ou discordaram do pagamento da contribuição essencial. Quando uma empresa desconta sem essa comprovação, ela pode ser obrigada na Justiça a restituir o trabalhador pelo desconto indevido da contribuição. Então, sugiro que a empresa, antes de fazer qualquer repasse para o sindicato, tenha a comprovação de que aquele repasse está sendo feito da forma que é prevista em lei, que foi observado a Assembleia, no caso de contribuição extensual, que foi observado em assembleia se o seu trabalhador estava presente ou não,  se ele votou a favor ou contra, sob pena de incorrer no pagamento da indenização ao trabalhador pelo desconto indevido.