"Um estado de espírito", sempre foi assim que vivi o Sertão. Antes de conhecer a definição geográfica, social ou de ter noção de fronteiras e paisagens, aqueles espaços sempre foram, para mim, pura emoção. Algo que eu experimentava quando passava um tempo longe, por exemplo, e no caminho de volta já sentia a mudança no ar, no clima, na força da natureza sertaneja, que molda pessoas, estilos de vida e transforma a aparente aridez em sentimento.

Durante boa parte da semana que passou, revisitei lugares da minha primeira infância, adolescência e juventude. Pude acessar memórias que, de tão vivas, me fizeram voltar no tempo. Para quem não sabe, eu apenas nasci em Maceió, mas com poucos dias de vida fui viver em Delmiro Gouveia e visitava sempre meus avós e tios em Piranhas. 

Nessa viagem que fiz, inclui ainda no roteiro, os municípios de Água Branca e Olho D'Água do Casado. Em breve apresentarei a todos o resultado dessa imersão, que rendeu um material rico de imagens, sons e muita história boa de contar. Por enquanto, aqui no meu artigo, vou falar dessas reminiscências que ajudaram a forjar o que sou hoje: uma sertaneja que tem orgulho profundo de suas origens.

A definição de Sertão, que consta nos livros de geografia, apresenta a região como um território sem fronteiras muito definidas, mas que começa depois do Agreste, "onde a terra se eleva e se torna mais árida". O clima como todos sabem, ou podem compreender, se torna mais seco durante grande parte do ano e a vegetação é mais rasteira, composta por árvores de pequeno porte com galhos retorcidos ou pela palma e pelo mandacaru, tipos bem comuns de cacto.  

Esse, como eu disse, é o conceito que a gente encontra nos livros, em muitos filmes, novelas e séries que retratam essa região. Mas faço questão de dizer que o Sertão é bem mais amplo que qualquer definição: não conhece limites. É um terreno fértil para cultivar a imaginação. 

Não é à toa que a cultura sertaneja está entre as mais retratadas pela arte, seja ela popular, com seus cordéis, ou erudita, através de clássicos da literatura, como o icônico Vidas Secas, do mestre conterrâneo, Graciliano Ramos. É onde a tradição nordestina melhor se expressa através das letras, das músicas, das danças, da gastronomia e do artesanato. Bordados, cestaria em palha, artigos de couro, peças em cipó, o entalhe da madeira. São tantas e tão ricas as artes do meu Sertão que um parágrafo só não daria conta.

Como se não bastasse tudo isso, a história do Brasil também escreveu alguns dos seus mais importantes capítulos tendo, como pano de fundo, essa fantástica paisagem. Foi subindo a Foz do Rio São Francisco que os desbravadores avançaram pelo interior, ocupando terras e fundando novas cidades. 

A região também foi palco de intensas batalhas do cangaço e, dependendo da necessidade, também serviu de refúgio para grupos que escapavam de conflitos no litoral. Isso explica a grande quantidade de povos indígenas no nosso Sertão. Acuados, muitos recomeçaram em terras mais áridas, porém, seguras. 

Mas os conquistadores, sem exceção, descobriram mais cedo ou mais tarde, que o Sertão é o único território que não pode ser domado. Com um ciclo de seca e outro de fartura, com uma caatinga exuberante ou assustadoramente inóspita, o sertanejo aprendeu a respeitar profundamente a própria terra. 

Esse reconhecimento fez prosperar a criação de bovinos, caprinos e abelhas. Viu florescer o algodão e a agricultura de subsistência, principalmente nas zonas irrigadas. Mais recentemente, despertou para o turismo. É uma região que se reinventa, se renova e aprende a conviver com aquilo que não pode ser mudado, seja pela natureza, seja pelo destino. 

No horizonte disso tudo, prevalece a cultura. E como isso me orgulha. Cada nova comida que provo, livro que leio, música que ouço, ritmo que aprendo a dançar. Cada rota turística que surge ou peça de artesanato que passo a admirar. Ir para o Sertão é mergulhar numa curadoria rica em diversidade, estilos, expressões. 

É ampliar o repertório de vida e testemunhar a própria evolução, como ser humano, como mulher, como sertaneja orgulhosa de sua terra e sua gente. Eu queria terminar a coluna de hoje fazendo um convite: façam uma viagem ao Sertão, descubram sua beleza e sua potência. É uma oportunidade de ressignificar visões de mundo e viver uma experiência original e única. Simples assim.