A alagoana Nise da Silveira costumava dizer que não sabia fazer nada sem procurar uma base mais profunda, a partir de leitura e pesquisa. Ter referências era fundamental para a médica que revolucionou a psiquiatria brasileira e foi uma mulher à frente do seu tempo.

Ela é uma inspiração para todos que buscam uma vida com propósito, para quem procura ver sentido naquilo que faz. Minha trajetória sempre foi marcada por desafios, já que iniciei cedo na carreira política e isso implica em grande exposição. Mas raramente tive oportunidade de falar em primeira pessoa, me apresentar de forma mais direta. A partir desse texto encontrei um caminho, singelo e transparente, de fazer isso pela primeira vez, ao mesmo tempo tendo que afastar a timidez.

Eu sempre fui muito curiosa, na verdade, gosto de ler e escrever desde cedo. Me alfabetizei ainda em Delmiro Gouveia, onde meus pais moravam na época do meu nascimento. Apesar de ter nascido em Maceió, fui criada entre Delmiro e Piranhas, por isso digo que sou sertaneja, com muito orgulho.

Na escola, em Maceió, as atividades promovidas estimularama minha escrita e meus contos chegaram a ficar em primeiro lugar em alguns concursos literários. Foi também nessa fase de pré-adolescência que ganhei um presente da minha avó Cacilda que marcou muito: uma máquina de escrever portátil, que se tornou minha companheira inseparável. Escrever, desde então, era uma forma de me libertar e contribuiu muito para o meu crescimento pessoal.

Junto com isso, chegou o momento de decidir sobre o futuro, o rumo profissional. Como gostava de escrever, pensei em cursar Jornalismo. Eu lia todas as revistas que meus pais assinavam e também deixava aflorar a imaginação, criando histórias e desenvolvendo meus próprios personagens. Mas acabei optando pelo curso de Direito e nunca me arrependi.

Eu digo que não existe formação acadêmica para quem deseja ingressar e seguir na carreira na política, mas fazer Direito ajuda muito. Para concorrer a um cargo eletivo, enfrentar a gestão pública, um conhecimento mais aprofundado nessa área pode fazer uma grande diferença.

Ser mulher, nordestina e optar por trilhar um caminho na vida pública não é fácil. Mas, ao optar por essa jornada mais diretamente ligada às pessoas da minha cidade e da minha região, me deparei com um pertencimento que acaba dando um outro tipo de sensibilidade, capaz de reconhecer os arquétipos que envolvem o povo sertanejo, principalmente, as mulheres.

Elas lideram famílias inteiras, alimentam e educam os filhos, enfrentam dificuldades como o clima e a natureza, que podem ser muito hostis. Cultivam o solo seco, lavam roupa debaixo do sol, percorrem grandes distâncias para buscar água. Tudo em nome da sobrevivência dos seus. E como se não bastasse tudo isso, ainda são cobradas pelo enorme preconceito que persiste.

A sociedade ainda vivencia um machismo muito grande. Mas acredito muito na mudança, que até pode estar distante, mas não é impossível. É só a gente lembrar que muitas revoluções que mudaram o mundo eram consideradas utópicas. Para mudar, precisamos ter argumentos sólidos, posicionamentos próprios.

E aqui mais uma vez recordo Nise da Silveira: "para navegar contra a corrente são necessárias condições raras: espírito de aventura, coragem, perseverança e paixão". Por isso sempre tive muito respeito pelos cargos que ocupei e ocupo. Ser referência para outras meninas, para outras mulheres me deixa feliz e honrada. E falo isso porque percebo que muitas não acreditam que isso é possível, mesmo vendo acontecer. Eu aprendo todos os dias, conversando, vivenciando coisas. Sinto que essa é uma grande oportunidade de passar um recado como mulher.

Na verdade, minha carreira ao longo dos anos me fez amadurecer muito, tanto enquanto prefeita de Piranhas quanto nos últimos anos à frente da Secretaria de Estado da Cultura e da Economia Criativa. Sempre enxerguei o grande desafio dessa pasta, que continua sendo a sua complexidade e transversalidade.

A desvalorização do segmento ainda é muito forte, principalmente para quem não vivencia a área.  É preciso sempre destacar a importância estratégica da cultura no desenvolvimento humano, social e econômico.  Além de ser um importante vetor de crescimento e ter cadeias produtivas muito bem definidas, cultura é, sobretudo, identidade: o sotaque que a gente fala, o que a gente come, como se veste. Nos faz compreender de onde partimos e para onde estamos indo.

Viver com propósito significa tudo isso: reconhecer a própria trajetória e aprender todos os dias a conviver com pensamentos divergentes. É assim que vou continuar pautando a minha vida e o meu trabalho. Para encerrar, cito novamente a minha amada Dra. Nise, "a palavra que mais gosto é liberdade". Eu acrescentaria uma outra: respeito! Simples assim.