A Ciência e a luta política

07/06/2022 11:38 - Fábio Guedes
Por redação
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Depois de um longo período de duro enfrentamento à pandemia da Covid-19, onde o país acumulou mais de 650 mil óbitos, a situação ainda não consegue ser tranquila. Os casos de infecção continuam trazendo elevados riscos para quem tem problemas crônicos de saúde. Entretanto, a vacinação em massa conseguiu amenizar a caótica realidade que testemunhamos no sistema de saúde, além de contrariar, completamente, os discursos e teses que negavam sua importância.

A ciência nunca esteve tanto em evidência como nesses últimos dois anos. Não tenho lembrança de ter visto um espaço aberto para a opinião e debates envolvendo diversos especialistas, cientistas, matérias, reportagens e conversas ordinárias do dia a dia, envolvendo o conhecimento científico, seja para confiar em suas virtudes ou desmerecer.

Na história da humanidade, mais precisamente desde o Renascentismo que parte do século XIV aos dias atuais, o conhecimento com base nas evidências científicas, invariavelmente, conta com poderosas forças contrárias e fervorosos defensores do status quo, que não pode ser desvendado pela consciência e racionalidade técnica.

Mesmo com grandes avanços alcançados e inegáveis comprovações do quanto a humanidade conquistou na superação de problemas crônicos de relacionamento com a natureza, sob ameaças de toda espécie de pragas, bactérias, vírus etc. o movimento de contestação do saber científico jamais foi abolido, porque os valores morais e éticos da sociedade também fazem parte de sua formação histórica, social e política. No entanto, são nos momentos mais indesejáveis de ameaça à sobrevivência humana, que a ciência ganha ligeira vantagem sobre as crenças e julgamentos morais.

Então, não precisamos nos admirar que em pleno século XXI ainda persistam indivíduos ou agrupamentos sociais com opiniões completamente contrárias ao conhecimento científico e suas vantagens em resolver os problemas complexos.

O inadmissível são as autoridades públicas negarem aos cientistas e às instituições de ciência e tecnologia condições de financiamento e fomento ao desenvolvimento das suas atividades e a permanência do pleno funcionamento da infraestrutura de trabalho. Não é isto que tem acontecido em vários países que souberam desafiar o vírus SARS-CoV-2 e suas variantes com o conhecimento científico. 

Alemanha, Israel, Reino Unido, Coreia do Sul, EUA, França e China elevaram os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação. Não somente durante a pandemia esse movimento acontece. Ele já vem de bem antes, dentro de uma estratégia de concorrência e competição internacional na corrida pelo desenvolvimento econômico e social. 

Desde 2015 que o Brasil navega contra a corrente, reduzido os investimentos em ciência e tecnologia por parte do governo federal. A situação se agravou no governo Bolsonaro, em sua cruzada megalomaníaca e ideológica de perseguição aos centros de conhecimento e universidades, especialmente públicas, tentativa de extinguir o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), insensibilidade em relação defasados valores das bolsas de estudo no país etc.  Portanto, processo é muito evidente no esvaziamento das fontes de recursos para fomento à ciência e formação de cérebros. 

O bloqueio anunciado de 8,5 bilhões de reais atinge em maior parte as pastas da educação, saúde, ciência e tecnologia. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI é de longe o que tem uma das menores rubricas orçamentárias da esplanada, mas foi o mais atingido pelo bloqueio em relação ao total disponível. Se somarmos os efeitos da tesourada na educação e na ciência e tecnologia, veremos que ela atinge de morte o sistema de produção de saber do país: as universidades públicas e os programas de desenvolvimento científico e tecnológico. 

Isso não é um fato isolado. Ele se soma a outros que ilustram o desempenho do governo Bolsonaro e sua sagaz equipe econômica, comandada pelo Paulo Guedes, em maltratar toda uma rede de produção de conhecimento e ciência que levou décadas, pelo menos 60 anos, para se estruturar com muito sacrifício, ousadia e vontade de ver o país em pé de igualdade com as economias mais desenvolvidas no campo do saber científico. São inúmeros os exemplos nessa direção distribuídos por todo o território nacional.

Um deles, a captura de petróleo na camada do Pré-Sal, há mais de 5 mil metros de profundidade, é um pioneirismo do conhecimento técnico-científico brasileiro, que hoje está ameaçado com a tentativa de privatização da Petrobras e com a MP 1.112/2022, que retira recursos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) da área de óleo e gás, os quais financiou, entre 2016 e 2022, quase 100 instituições de pesquisa no país e 2600 projetos, que vão da inteligência artificial, passando pela produção de energias alternativas e sistemas de regeneração ambiental.

A intelligentsia nacional, para usar um termo do latim, não tem muitas esperanças de que o rumo das coisas mude nesse governo, apesar da resiliência e esforço de alguns convertidos à causa que continuam nas “trincheiras” da administração pública, na missão da defesa do sistema de produção de conhecimento nacional. A luta política há de ser persistente e a comunidade científica brasileira nunca desistiu de muitos dos seus sonhos, inúmeros deles realizados. Não será agora. 

 

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