O mundo acadêmico e científico observa com grande preocupação os recentes acontecimentos envolvendo o embate entre o governo de Donald Trump e os cientistas, bem como tradicionais instituições de ensino superior e pesquisa nos EUA. A notícia, amplamente divulgada pela mídia, de que o presidente norte-americano proibiu a entrada de estrangeiros na prestigiada e centenária Universidade Harvard, representa mais um capítulo na escalada autoritária de seu governo contra a liberdade acadêmica, os pesquisadores, os estudantes e as instituições que não se alinham às diretrizes ideológicas da extrema-direita atualmente no poder.
Sem o robusto sistema de formação de recursos humanos altamente qualificados, produção de conhecimento e desenvolvimento tecnológico, os EUA dificilmente teriam alcançado a hegemonia global no século XX. Dos conflitos bélicos ao domínio de cadeias produtivas estratégicas e à corrida espacial, os norte-americanos contaram com o suporte da educação e da ciência, realizando expressivos investimentos e apostando em projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), muitas vezes arriscados, sem previsibilidade razoável de sucesso. Essa trajetória é amplamente documentada na literatura e frequentemente retratada pela indústria cinematográfica, especialmente por Hollywood, que antecipou, em seus filmes de ficção científica, inúmeros avanços que mais tarde se tornariam realidade em um futuro não muito distante.
O modo de vida norte-americano – American way of life –, difundido globalmente após os anos 1950, e impulsionado pela exportação de bens manufaturados de última geração, seria impensável sem a competência técnico-científica acumulada por décadas e a visão de empresários que apostaram no conhecimento como base da inovação. Nesse contexto, surpreende a atual perseguição política e econômica a um dos pilares fundamentais de sua hegemonia. Sob justificativas frágeis e pouco plausíveis, o governo ataca justamente o que historicamente sustentou seu protagonismo global: a ciência, a educação e a liberdade de pensamento.
O Brasil também sofreu recentemente com ameaças de natureza semelhante – ainda que motivadas por razões distintas –, igualmente inconsequentes. Entre 2016 e 2022, a comunidade acadêmica e científica nacional sentiu o peso do desprezo político, da ausência de recursos orçamentário-financeiros e do empenho ideológico em desqualificar e fragilizar o sistema nacional de produção do conhecimento.
Mesmo diante da maior crise de saúde pública em um século, a pandemia de Covid–19, as autoridades que então ocupavam o Palácio do Planalto optaram por sufocar a ciência brasileira. Perdeu-se uma oportunidade histórica de promover um salto qualitativo, modernizar a infraestrutura física e laboratorial do País e envolver toda a comunidade científica no esforço coletivo para salvar vidas. Pelo contrário, o governo federal manteve o descaso com os nossos cientistas, quando deveriam ter sido protagonistas no enfrentamento da tragédia sanitária.
É preciso reconhecer que a ascensão do novo governo, em 2023, reacendeu as esperanças de uma nova primavera para a ciência brasileira. A decisão política de liberar, em sua totalidade, a execução orçamentária e financeira do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) animou a comunidade acadêmica, especialmente porque ele havia sido completamente estrangulado pela gestão anterior.
Além disso, graças à Lei nº 177/2021, aprovada após ampla mobilização das entidades da ciência e da educação, com o apoio decisivo da classe política nas duas casas legislativas, o FNDCT passou a acumular saldos significativos. Esses recursos, provenientes da contribuição de setores econômicos importantes – petróleo e gás, agropecuária, exploração mineral, saúde, transportes, Tecnologia da Informação etc. –, estão sendo direcionados ao financiamento de grandes projetos estratégicos, como o fomento à inovação empresarial e aos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia.
Entretanto, apesar dos bons ventos que sopram a favor da inovação, impulsionados pelo descontingenciamento do FNDCT, seus efeitos ainda não alcançaram boa parte dos cientistas brasileiros, tampouco os seus ambientes de produção: as universidades. O foco é claro e objetivo: os recursos do fundo não são suficientes nem podem financiar o amplo escopo de ações, programas e estratégias que fazem parte da política pública de ciência, tecnologia e inovação, dadas a escala e a complexidade do segmento. Sem a complementaridade do orçamento da União destinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a política de CT&I no Brasil não decola. A pasta continua com o pires na mão e a principal agência latino-americana de fomento à ciência, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com um orçamento extremamente baixo. Em 2024, ele representou, por exemplo, apenas 58,3% do orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Grande parte da comunidade acadêmica e científica, neste momento, ainda não percebeu os efeitos práticos do discurso de que a “ciência voltou”. Por sua vez, as universidades onde se produz o conhecimento científico, encontram-se em profunda crise também por severas restrições orçamentárias. Essa situação foi denunciada em uma recente manifestação divulgada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com base nas preocupações do fórum dos reitores das instituições federais (Andifes).
Se o atual governo deseja um país soberano e altivo nas relações internacionais, com padrões de desenvolvimento que permitam a superação de nossos principais desafios, que se inspire nos EUA do século passado e na China contemporânea.
Este texto aparece publicado na edição impressa de CartaCapital, n° 1364, em 04 de junho de 2025, e pode ser conferido no link https://www.cartacapital.com.br/politica/a-ciencia-voltou/