O Parlamento e a CT&I

26/05/2022 11:22 - Fábio Guedes
Por redação
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Esse texto foi originalmente publicado no Jornal da Ciência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 25 de maio de 2022. [01]

 

Ano passado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) completou 70 anos de existência. Em razão das condições ainda impostas pela pandemia de covid-19, o ato oficial de celebração aconteceu nos dias 26 e 27 de abril do ano corrente, onde se discutiu o passado, as condições atuais e o futuro dessa agência que representa o pilar do financiamento do desenvolvimento científico brasileiro e formação de pesquisadores de elevada qualificação.

Fui convidado para participar da mesa-redonda intitulada “O futuro do CNPq”. Ao pensar como conduziria minha participação, me veio a lembrança um livro publicado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) com depoimentos e entrevistas de ex-presidentes do CNPq até o ano de 2001, quando a instituição completou meio século de existência.[02] Então, mergulhei nas mais de 700 páginas desse espetacular material e nelas revisitei os mesmos e grandes problemas que afligem o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

De todos eles, a questão financeira e orçamentária é insistentemente mencionada. Em termos gerais, a descontinuidade nos repasses dos recursos para o fomento à ciência e execução das políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) é atribuída ao baixo nível de reconhecimento pela classe política e sociedade em geral do papel da ciência no desenvolvimento brasileiro e seu potencial de transformação. Isso envolve, diretamente, o Parlamento brasileiro, onde se definem as regras e o orçamento da União, além da fiscalização de sua execução.

Alguns trechos de depoimentos dos ex-gestores revelam a persistência do problema das condições de financiamento da CT&I. Roberto Santos, ex-governador da Bahia e presidente do CNPq entre 1985-1986, por exemplo, afirma: “Por incrível que pareça, até hoje, muitas das nossas lideranças ainda não despertaram quanto ao significado do desenvolvimento científico e tecnológico na conquista de um futuro melhor para os brasileiros” (p. 367). Lynaldo Cavalcanti, ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e grande gestor, que presidiu o CNPq de 1980-1985, apontou: “(...) percebo bolsões de incompreensão, de atraso, de falta de capacidade de valorizar o conhecimento. Ora, estamos numa época em que o conhecimento é fundamental (...) o pessoal acha que o que vale é o investimento físico, não acreditando na capacidade intelectual das pessoas” (p. 355). Marcos Luiz dos Mares Guia, um grande cientista e também empresário, que ficou à frente do CNPq entre 1991-1993, foi ainda mais taxativo: “A questão essencial reside na cultura vigente entre os políticos, tecnocratas e empresários, para os quais a investigação científica e tecnológica não passa de ‘perfumaria’ (...) Quando saí, fiquei com duas impressões, de que não há realmente uma consciência, nos altos escalões do governo, de que a política científica é algo que o Brasil precisa fazer, e com muito mais recursos” (pp. 446-457).

A dependência do financiamento da ciência e desenvolvimento tecnológico brasileiro dos recursos públicos é quase absoluta. Tanto por parte das principais agências federais de fomento, quanto, especialmente, pelas universidades públicas, locais por excelência onde mais de 90% da produção científica brasileira tem origem.

O Congresso Nacional, portanto, é o local por excelência onde se definem as condições orçamentárias e o destino dos recursos públicos para o desenvolvimento das políticas e estratégias em Ciência, Tecnologia e Inovação. Outro ex-presidente do CNPq entre 1986-1990, Crodowaldo Pavan, tem uma afirmação reveladora: “No primeiro ano da Presidência, despendi o segundo semestre, praticamente, na Câmara e no Senado, para conseguir aumentar o número de bolsas. Todo ano, precisávamos brigar – uma coisa tremenda – para tornar maior o número e o valor das bolsas e colocá-los no orçamento”. E complementa: “(...) o administrador público no país tem de consumir muito do seu tempo fazendo política para conseguir recursos para as suas entidades” (p. 398 e 408).

O Parlamento é essencial para a discussão do futuro da ciência no Brasil. A definição do uso dos recursos públicos faz parte do debate político democrático e o Parlamento é a arena por excelência. Nesse sentido, a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) se reveste de grande relevância, pois suas oito entidades constituintes possuem pautas fundamentais no Congresso Nacional. [3]


[01] GOMES, Fábio Guedes. O Parlamento e a CT&I. Jornal da Ciência: SBPC, São Paulo, abril/maio de 2022, p. 13. Disponível em http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/wp-content/uploads/2022/05/JC_798.pdf

[02] MOTOYAMA, Shozo (org.). 50 anos do CNPq. São Paulo: Fapesp, 2001

[03] ABC, Andifes, Confap, Confies, Conif, Consecti, Ibrachics e SBPC.

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