“O câncer de colo de útero salvou minha vida”, foi com essa frase que a técnica de enfermagem, Gerda Maria da Silva, de 43 anos, “resumiu” a sua luta para vencer a doença e buscou o lado positivo para definir um dos piores períodos de sua vida.
Gerda é uma pessoa que podemos definir como “leve, alto astral” e talvez essa maneira de ver a vida tenha sido o pilar que a sustentou quando teve que enfrentar o diagnóstico que foi um divisor de águas, já que hoje ela se define como uma nova mulher, que descobriu que para enfrentar essa luta é essencial ter força pessoal e o apoio de sua rede de relacionamentos, sejam eles pessoais ou profissionais.
“Calma, ainda estou viva”
O diagnóstico de câncer foi recebido por ela em fevereiro de 2018, porém há muitos anos era investigado, pois existia uma lesão no útero, provocada por um erro médico em sua primeira gestação, o que deixou o órgão mais sensível a fungos, bactérias e vírus. Anos depois, após a gestação dos filhos gêmeos, descobriu outra lesão, diagnosticada como HPV (sigla em inglês para Papilomavírus Humano), que foi tratado e consequentemente deixou mais uma cicatriz no útero.
“Quando finalmente recebi o diagnóstico de carcinoma seroso invasivo não foi fácil, pois os médicos (sem generalizar) não estão preparados para dar a notícia que a pessoa está com câncer. Praticamente me foi dado um atestado de óbito, pois rapidamente me foram pedidos diversos exames para avaliar uma possível metástase e outras coisas, quando eu sequer tinha processado a informação de que estava com a doença. Porém respirei e disse para mim mesma, calma, eu ainda estou viva, quero entender o que está acontecendo, já que eu vinha fazendo meus exames periodicamente”, comentou Gerda.
Infelizmente alguns médicos tratam a questão friamente, “simplesmente jogam a ‘bomba’ e você que se vire, pois como o tratamento requer uma equipe multidisciplinar, eles (os médicos) acham que o acompanhamento de um psicólogo resolve, mas esquecem que você não está com um psicólogo quando recebe o diagnóstico, não passa pela equipe multidisciplinar antes de receber esse resultado”, lamentou.
“O câncer de colo me salvou”
“Não tenho palavras para descrever todo o apoio que tive dos colegas de trabalho que ficaram atônitos com a tranquilidade que dei a notícia, mas disse a eles que eu só tinha duas opções ou eu enfrentava ou deitava e esperava a morte chegar. Essa não era uma opção e fui à luta”, lembrou Gerda.
Em três meses foi feita a cirurgia de laparotomia, para poder avaliar se não havia nenhuma irradiação para outros órgãos. Tudo correu bem e não havia metástase. Quando foi feita a biópsia do útero por inteiro, a técnica de enfermagem recebeu a informação real da doença e descobriram que havia dois tipos de câncer, no endométrio e no colo do útero. “O câncer no colo do útero me salvou, pois por conta dele descobri o do endométrio, que era muito difícil de ser diagnosticado”, comentou.
Hoje, quase quatro anos após a cirurgia, ainda sou acompanhada por um oncologista clínico e estou muito bem, disse Gerda pontuando que, a parte física está bem, porém o lado emocional ficou abalado.
“Não tive apoio da pessoa que mais precisava no momento, a doença não me abalou, o que me abalou foi ter que trancar a faculdade, que era meu sonho, pois estava no 5º período de enfermagem. Bato nessa tecla porque é muito difícil o diagnóstico de câncer para a mulher. Esse é o momento que é preciso apoio total. É muito ruim ser uma pessoa forte nesse momento, porque todos acham que não precisa de ajuda. Enquanto minha mãe, minha irmã, meus filhos estavam desesperados eu os acalmava e não tinha um ponto de sustentação, tinha que cuidar da cabeça de todos e da minha, mas quem estava doente era eu e ninguém cuidava de mim. Tive que ser forte por todos”, lembrou Gerda.
A carga emocional após todo o processo foi fortíssima o que a fez buscar ajuda médica. “Fui acompanhada por uma psiquiatra e um psicólogo, pois não tive tempo de processar meus medos, minhas angústias, minhas dores. Tive que prendê-las e lutar”, relatou.

“Não é o fim”
“Quando souber que alguém próximo está com câncer dê todo o apoio, não demonstrando pena, mas simplesmente bata no ombro, diga que está ali. Às vezes só isso basta para que a gente acorde, reaja e vá à luta novamente. Eu tive que usar minha armadura toda a vida e no momento que precisei tirar não tive condições”, recordou a técnica de enfermagem.
“Hoje estou muito bem. Tem a Gerda antes do câncer e a Gerda depois do câncer. Tudo isso veio para que acordasse para a vida. Hoje vivo, antes deixava a vida me levar. Me amo cada vez mais”, comentou, lembrando que continua com o acompanhamento médico, já que ainda não foi liberada, pois isso acontece depois de cinco anos.
O conselho que dou às mulheres é que não se descuidem”, alertou Gerda, “a mulher acima de tudo precisa se amar e se receber um diagnóstico de câncer colocar em mente que não é o fim, não é atestado de óbito”.

INCA
O mês de Março é dedicado à saúde da mulher e tem como foco principal o combate ao câncer de colo de útero. O CadaMinuto conversou com a assessoria de Comunicação do Instituto Nacional do Câncer (INCA) que revelou que o número de casos novos de câncer do colo do útero esperados para o Brasil, para cada ano do triênio 2020-2022, será de 16.590, com um risco estimado de 15,43 casos a cada 100 mil mulheres.
Em Alagoas, a estimativa aponta que o número de casos novos de câncer do colo do útero para cada ano do triênio 2020-2022, será de 300.
Dados revelam ainda que sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer do colo do útero é o segundo mais incidente nas regiões Norte (21,20/100 mil), Nordeste (17,62/100 mil) e Centro-Oeste (15,92/100 mil). Já a região Sul (17,48/100 mil) ocupa a quarta posição e a região Sudeste (12,01/100 mil), a quinta posição.
De acordo com o Atlas da Mortalidade por Câncer, do INCA, em 2019, foram 6.596 mortes por câncer do colo do útero, no Brasil. Em Alagoas, foram registradas 116 mortes pela doença.
Excetuando-se o câncer de pele não melanoma, é o terceiro tumor maligno mais frequente na população feminina (atrás do câncer de mama e do colorretal), e a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil.
Prevenção
A médica ginecologista Cláudia Pinto reforçou que a vacinação e exames preventivos são fundamentais na prevenção do câncer do colo do útero. Cerca de 70% dos casos da doença são provocados por infecções decorrentes do papilomavírus humano, conhecido popularmente como HPV. Assim, a vacinação contra o HPV é fundamental, pois é capaz de reduzir significativamente os riscos deste tipo de câncer.
A recomendação é que a imunização seja realizada antes do início da vida sexual, então, quanto mais cedo, melhor. Meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos são o público-alvo da vacinação no Brasil. Vale lembrar que o HPV é um grupo de vírus muito comum.

O Ministério da Saúde disponibiliza a vacina HPV 6, 11, 16, 18 durante todo o ano, em todas as Unidades Básicas de Saúde e, dependendo do município, também em escolas públicas e privadas.
A médica ressalta que “já ter sido contaminado previamente com um subtipo de HPV não contraindica a realização da vacinação. Se uma mulher está ou esteve contaminada com o HPV-18, por exemplo, a vacinação quádrupla serve para preveni-la contra os outros três subtipos de papilomavírus humano”.
Possíveis causas
O câncer de colo de útero também pode ser provocado pela prática de sexo sem uso do preservativo, principalmente com diversos parceiros; infecções por HPV e clamídia (um tipo de bactéria transmitida sexualmente, que pode causar inflamação pélvica); tabagismo e uso prolongado de anticoncepcionais; múltiplas gestações e idade da primeira gestação (mulheres que engravidaram pela primeira vez antes dos 20 anos têm risco maior de desenvolver a doença) e histórico familiar.
Sintomas
Mulheres em estágio inicial da doença geralmente não apresentam sintomas, mas, quando isso acontece, os sintomas mais comuns são sangramento vaginal anormal, sangramento menstrual mais prolongado que o habitual, sangramento durante ou após a relação sexual, dor durante a relação sexual e dor pélvica. Quando a doença já está avançada, a paciente pode se queixar de inchaço nas pernas, sangue na urina e problemas ao urinar ou evacuar.
Apresentar algum desses sintomas não significa que a mulher tenha câncer de colo de útero, visto que muitos deles também estão presentes em outras doenças. Por isso, consultar um especialista é essencial para ter o diagnóstico correto, defendeu Cláudia Pinto.