Tem um alagoano no centro de uma grande polêmica na literatura brasileira

08/02/2022 15:12 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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A escritora Carolina Maria de Jesus é um caso único na literatura brasileira. Negra, semianalfabeta, favelada e mãe solteira, ela botou em xeque conceitos e ideias consagrados no mundo da arte de escrever. Seu livro de estreia, Quarto de Despejo – Diário de Uma Favelada, foi lançado em 1960 e causou um impacto sem precedentes nos meios intelectuais e acadêmicos do país. O livro, campeão de vendas, também tornou sua autora uma personalidade internacional.

Para que as palavras escritas por essa mulher chegassem ao grande público, um alagoano teve papel decisivo. Foi Audálio Dantas, jornalista, então jovem repórter em redações de São Paulo. Muitos anos depois, ele seria presidente do Sindicato dos Jornalistas daquele estado. Foi nome de peso no combate à ditadura militar. Em texto de 1993, publicado como prefácio de uma reedição do livro pela editora Ática, o próprio Audálio resume seu encontro com a figura surpreendente de Carolina Maria. É ele que fala no parágrafo seguinte:     

Entrei na história deste livro como jornalista, verde ainda, com a emoção e a certeza de quem acreditava poder mudar o mundo. Ou, pelo menos, a favela do Canindé e outras favelas espalhadas pelo Brasil. Repórter, fui encarregado de escrever uma matéria sobre uma favela que se expandia na beira do rio Tietê. Lá, no rebuliço favelado, encontrei a negra Carolina, que logo se colocou como alguém que tinha o que dizer... A história da favela que eu buscava estava escrita em uns 20 cadernos encardidos que Carolina guardava em seu barraco. Li e logo vi: repórter nenhum, escritor nenhum poderia escrever melhor aquela história – a visão de dentro da favela.

Carolina Maria de Jesus está sendo “redescoberta” nestes novos tempos, mais de 60 anos depois de sua estreia. E isso acabou reabrindo uma discussão que sempre existiu, mas que agora ganha novas dimensões. Refiro-me à polêmica decorrente de algumas declarações de uma filha da escritora em relação ao jornalista que a “descobriu”. O alagoano vem sendo “acusado” de ter impedido que novos textos da autora tivessem sido publicados. E isso é apenas uma das “acusações”.

A família do jornalista, que morreu em 2018 aos 88 anos, reagiu a essas declarações e afirmou que não colabora mais com a Cia. das Letras, que obteve os direitos da obra completa. A editora, por sua vez, que publicou dois volumes inéditos dos diários da escritora no ano passado, tenta esfriar a confusão – e se manifestou com elogios a Audálio Dantas. Ficou o constrangimento.

Carolina Maria de Jesus é tão importante quanto um Guimarães Rosa ou uma Clarice Lispector. Sua literatura, combativa e inquietante, merece a atenção que nunca recebeu devidamente. Esse é um dos temas do CADA MINUTO DEBATE, programa que faço aqui com o jornalista Carlos Melo, editor e diretor do portal. Está no ar, no site e em outras plataformas. É clicar e conferir. 

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