A vitória de Gilberto Gil e a derrota de um poeta na eleição para ser “imortal”

12/11/2021 09:59 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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O país tá de cabeça pra baixo. Bolsonaro é o pior presidente da história republicana. A gasolina ameaça explodir em 8 reais o litro. Li em algum lugar que daqui a pouco o consumidor vai comprar o combustível em gotas. A inflação voltou. A bandidagem do orçamento secreto é mais um retrato da “nova política”. Decreto do miliciano do Planalto acabou com o Bolsa Família, o maior programa de distribuição de renda que o mundo já viu.

Um ministério formado por incompetentes e corruptos patrocina desastres sucessivos em todas as áreas. A Caixa Econômica virou um bunker para financiar os amigos da quadrilha familiar. Michele, a primeira-dama, escolhe quem pode ganhar financiamento do banco público. Enquanto isso, Bolsonaro vai comprando parlamentares pra tentar garantir o poder a qualquer custo.

Pois apesar de tudo isso e mais um pouco, vamos falar de poesia. Ou melhor, da eleição de Gilberto Gil para a Academia Brasileira de Letras. O monstro baiano virou imortal ao derrotar o poeta Salgado Maranhão. A eleição ocorreu na tarde desta quinta-feira 11. O autor de Domingo no Parque e de Refazenda teve 21 votos contra 7 de seu principal concorrente.

A escolha de um não escritor para a ABL é quase uma controvérsia, embora não seja bem uma novidade. Desconhecido do grande público – como se dá com todos os poetas –, Salgado Maranhão é um mestre do verso, uma dicção muito particular no panorama da poesia brasileira contemporânea. O maranhense de 68 anos já conquistou duas vezes o Jabuti, o mais tradicional prêmio literário do país.

Gilberto Gil merece todas as homenagens e premiações. Sua consagração faz bem ao Brasil. Mas vejam como é a vida, cheia de ironias: é praticamente um sacrilégio que o “templo maior” das letras, um lugar para celebrar a palavra escrita, barre o ingresso de um raríssimo estilista na arte do poema. Não sei se você vai concordar comigo. Uma pequena mostra do que o poeta é capaz está no escrito abaixo. Confira.

SENTENÇA

faz muito tempo que eu venho
nos currais deste comício,
dando mingau de farinha
pra mesma dor que me alinha
ao lamaçal do hospício.
e quem me cansa as canelas
é que me rouba a cadeira,
eu sou quem pula a traseira
e ainda paga a passagem,
eu sou um número ímpar
só pra sobrar na contagem.

por outro lado, em meu corpo,
há uma parte que insiste,
feito um caju que apodrece
mas a castanha resiste,
eu tenho os olhos na espreita
e os bolsos cheios de pedras,
eu sou quem não se conforma
com a sentença ou desfeita,
eu sou quem bagunça a norma,
eu sou quem morre e não deita.

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