A mulher, toda vestida de festa, com salto alto finíssimo, entra, esbaforida, na farmácia reclamando, soberba, dos pedintes que estão à porta:

- Que coisa chata esse povo que avança em cima da gente para mendigar. A farmácia deveria proibir isso, afirma olhando ostensivamente, para o atendente, um rapaz muito jovem.

O atendente, um jovem sábio, faz de conta que não ouve e se debruça na análise da receita que tem a mão. Melhor manter o silêncio- pensa ele, afinal o freguês tem sempre razão, como reza a cartilha do estabelecimento.

E a senhora, de salto alto, continua numa verborragia exclusivista e preconceituoso contra o povo na porta da farmácia.

O povo referido são mães com filh@s pequenos. Com CEP e cor bem definidas.

Ouço, de uma certa distância, o discurso segregador e, como não tenho sangue de barata, atravesso,asperamente o monólogo  da senhora:- O povo está com fome, senhora. Estamos em uma pandemia e esse povo que está na calcada tem fome. E tem muita gente com fome. Muita!

A senhora cheia das arrogâncias me direciona o olhar  e responde com um:- Ah! É? Depois se faz silêncio. O atendente observa, com rabo de olho e, discretamente, sorri.

Quem quiser que ache que a pandemia abrandou alguns corações. 

A egolatria, de algumas gentes, é acintosa.

Respostas empáticas, (colocar-se no lugar da outra pessoa) ,no caos de uma pandemia é o exercício primordial para a revolução humana.

Mais empatia, por favor!