É a professora de Júlia que relata:

Essa história que conto, infelizmente não tem um final feliz como as dos contos que lemos para os nossos alunos. Ao contrário, me fez sentir infeliz, impotente e com muita raiva. Julia era minha aluna e tinha, na época, sete anos. Era uma menina magrelinha e bem tímida, dessas que nos chama atenção tamanha a fragilidade expressa. Numa das manhãs em sala de aula, notei que ela esfregava com frequência suas partes íntimas na ponta da cadeira em que estava sentada. A chamei para conversar, perguntei se tinha alguma coisa incomodando e ela me disse que sua "pepeca" (nas palavras dela) estava doendo. Eu perguntei se ela sabia o motivo de estar doendo, se havia se machucado. Foi quando sua resposta fez o coração doer. Me disse que o seu tio (namorado de sua mãe), tinha colocado o dedo nela e que estava doendo. Levei o caso para a direção da escola que prosseguiu com o trabalho de investigação familiar. Durante esse processo, foi descoberto que a mãe morava com a aluna em um cômodo pequeno e que se prostituía na frente da criança. E, quando estava com esse namorado em casa, assistia vídeos pornográficos na presença da aluna e a obrigada assistir também, além de permitir que o namorado tocasse na criança. O conselho tutelar foi acionado e a mãe foi chamada para conversar. A criança foi entregue aos cuidados da avó materna e sumiu, durante mais ou menos um mês. Quando voltou, percebi que haviam vários machucados pequenos em suas pernas, braços e barriga. Perguntei o que era e ela me disse que tinha sido sua mãe que havia furado o seu corpo com prego e queimado com o cigarro. Além disso, a mãe mandou um bilhete dirigido a mim dizendo: “Não se meta com as coisas que acontecem aqui em casa, quem manda aqui sou eu, e se fizer qualquer coisa a Júlia vai ficar pior". Me desabei de chorar, pois a mãe, que era quem deveria proteger, era justamente quem a machucava. Ela voltou aos cuidados de Conselho Tutelar e depois, não sei mais o que aconteceu, pois saí da escola mencionada. Mas a gente sabe que a criança vai e volta do abrigo, isso é rotina, e que a escola, por vezes, é o seu único refúgio e muito pouco pode fazer.

*Nome e desenho fictícios.  Depoimento real. 

Fonte:: #aescolafala #AsociedadeCalaAEscolaFala