Não quero saber da sua vida

28/12/2020 01:08 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Não é que eu não goste de fofocar sobre a vida sexual dos outros. Dou-me a esse vício, mas só em companhia de íntimos, e jamais falaria da minha vida sexual ou da de meus íntimos a estranhos. Não é moralismo. É discrição. Reconheço, mais uma vez, que estou fora de moda. A moda é que perfeitos estranhos (ou estranhas), depois de alguns minutos de papo, passem a contar o que passa nos seus leitos conjugais ou não. A época é de todo mundo contar a vida em público. Essas palavras, que destaquei em itálico, refletem, em alguma medida, os dias atuais? Sem falso moralismo, parece que sim.

Quando a gente pensa nas centenas de subcelebridades que todos os dias contam suas aventuras sexuais, a tendência talvez seja mesmo concordar com a opinião expressa no parágrafo anterior. Eu acho bem exagerado, meio fora de propósito, que o famoso acidental e até artistas de grande sucesso se esforcem tanto para exibir suas intimidades em praça pública. Depois, quando passam algum vexame, exigem “respeito à privacidade”!

Nem vou lembrar que no império das redes sociais essa compulsão moeu os limites. DJs, cantores, cantoras, atrizes e atores, gente de algum talento e, claro, a multidão de falsas celebridades não dão trégua na maratona de revelações sexuais. Uma das obsessões é falar do apetite múltiplo e diverso na hora do sexo. Ficou com dois ao mesmo tempo. Entrou na orgia com garotas e rapazes. Já experimentou assim ou assado... E por aí vai.

Quanto mais exótica é a experiência, e quanto mais escandaloso é o detalhamento do que se passou na gandaia, melhor para a “imprensa especializada”. E melhor também, pensam os protagonistas, para suas carreiras como artistas. Mas as editorias que cuidam exclusivamente do “mundo dos famosos” tratam apenas da vida pessoal, e não do trabalho desses afamados. E assim o círculo vai sendo alimentado de maneira praticamente doentia.

Comecei a escrever este texto depois de um passeio pelo noticiário, vendo os principais veículos de informação do país e os destaques nos sites alagoanos. Em todos, sem exceção, é chocante o quanto esses assuntos, a vida privada, o mais íntimo e pessoal estão nas manchetes. Quem corneou quem. Quem não é de nada na hora H. Qual a posição preferida... Tem de tudo entre as melhores piores chamadas para as “reportagens” a respeito.

Clique no endereço de qualquer site de notícia e você será bombardeado com os títulos mais estúpidos da paróquia. Para ilustrar as chamadas que “quebram a internet”, é um festival de caras, bocas e bundas. E boa parte das fotos pode ser tranquilamente confundida com anúncios de garotas e garotos de programa. Claro que a oferta desse tipo de “notícia” responde a uma demanda sempre em alta. Nem adianta brigar com isso.

Não quero aqui defender a caretice, entende? Longe de mim também qualquer tipo de censura – nem aos falastrões da cama e muito menos à imprensa. Nunca e jamais. Ataco a miséria intelectual (e existencial) nesse tipo de interesse. E acho um tédio o massacrante conjunto de “notícias” sobre esse subcampo antropológico. Nos casos mais insanos, personagens cruzam a linha da vulgaridade com um orgulho constrangedor.

O tema é pré-histórico. É ou não é a força das paixões, dos amores e do sexo o que move o mundo? Mas essa é outra história. Termino com um esclarecimento sobre as linhas em itálico que abrem o texto. Na verdade, foram aquelas palavras que me levaram a escrever. É um trecho de uma coluna de Paulo Francis, publicada na Folha em 1978, com o título que também sequestrei. Está no livro Diário da Corte (2012) e, reparem, não envelheceu nada.

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