E lá vêm eles novamente, visitando a comunidade. A pé? Enfrentando buracos e lama? Na periferia? Sim... Estamos em período de campanha, então reaparecem os candidatos. De braços abertos, com sorriso grande, abraçando os pobres com a humildade à flor da pele e aquela vontade sincera de melhorar a vida do povo sofrido...
Típicas cenas dos candidatos visitando os redutos esquecidos nos confins da cidade. Abraçam um idoso aqui, beijam uma criança ali, procuram demonstrar que – “Se eu for eleito!” – o Estado vai “marcar presença” nesse lugar: e não somente com a Polícia e o Instituto Médico Legal!
Discurso e gestual folclóricos que se realizam por meio de quatro ações: sorrir, abraçar, prometer e... Sejam aspirantes ou veteranos, os candidatos se superam na renovação das velhas práticas: ou com maquiagem nova em velhos rostos, ou com novos figurões na velha teatralidade: mecanismos cíclicos chamados, elegantemente, de “demagogia”.
Mas, esses pitorescos candidatos conseguem realmente sensibilizar os eleitores carentes? Pobres eleitores pobres: vivem a paciência infinita diante da renovação eterna das eternas promessas... Paciência que contraria a pressa do doente sem hospital, do idoso que sofre há décadas, a pressa dos desempregados. Contraria a urgência das crianças carentes que, se nada for feito rapidamente, colherão um futuro perverso, pois uma infância de subdesenvolvimento, físico e intelectual, deixa marcas negativas para a vida inteira...
E, assim, segue a realidade ao arrepio da lei e a lei, ao arrepio da realidade: insistindo em não se dobrar ao modelo de sociedade prometido na Constituição há mais de trinta anos. E os direitos formalmente enunciados? Permanecem assim: formalmente enunciados... Mas, entre tantas promessas, há um direito bastante sólido: o sagrado direito ao voto que funciona para criar a aparência de legitimidade à hierarquia social.
E ainda acrescentamos um ingrediente novo nessa velha mistura. Em 2020, as eleições serão um evento típico num ano atípico. Sim, a despeito da pandemia, multidões de eleitores irão se aglomerar, porque a democracia é um valor acima de tudo e de todos: o voto do povo vale o risco de sua saúde e de sua própria vida!
Diante dessas contradições, o “dia da criança” se torna o “dia do povo”, em razão do tratamento infantil que lhe é dispensado. Então, FELIZ DIA DO POVO!
“Um príncipe sábio deve agir de maneira que os seus cidadãos, sempre e em qualquer circunstância, venham a precisar do Estado e dele mesmo. E então, eles lhe serão sempre fiéis.” (MAQUIAVEL, 1532).
*Pós graduado em Direito Penal. Mestrando em educação da Unisul. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Análise do Discurso Jurídico (GPADJUS/CNPq).