O Brasil de hoje tem cheiro, cor e forma de ditadura, de estado de exceção, mas o poder Executivo, a Suprema Corte, parte do Legislativo e boa parte da imprensa teimam em dizer que tudo o que fazem é para salvar a democracia dos golpistas terroristas.
Em 2021, o deputado federal Daniel Silveira foi preso por criticar ministros do Supremo Tribunal Federal. Segundo a Constituição Federal, parlamentares são invioláveis por qualquer uma de suas opiniões. Segundo o Supremo, com suas críticas, Daniel apresentava risco ao Estado Democrático de Direito.
No dia 8 de janeiro de 2023, milhares de pessoas que estavam em Brasília, protestando sobre as mais diversas pautas, foram presas. Todas elas, independentemente do que fizeram lá, quebrando ou não, foram consideradas golpistas e terroristas.
Havia muita gente comum, trabalhadores que não sabem nem o que é golpe de Estado, senhoras de 60, 70 anos. Cidadãos comuns sacrificados pelo sistema como um grande recado para a sociedade: “não nos critique”.
Também em 2023, o jornalista Rodrigo Constantino teve suas contas bancárias bloqueadas e seu passaporte cancelado pelo ministro Alexandre de Moraes. Rodrigo é bastante conhecido por ser um comentarista político liberal e de direita. Ele foi incluído no inquérito das fake news. Ou seja, suas opiniões não agradavam aos ministros do STF. Outros jornalistas e veículos de comunicação passaram por problemas parecidos, como a produtora Brasil Paralelo, que teve um documentário censurado antes mesmo de ir ao ar.
Outras tantas situações aconteceram, como a tentativa de calar os deputados federais Marcel Van Hattem (NOVO) e Nikolas Ferreira (PL) por suas opiniões proferidas diretamente da tribuna. Mas 2025 veio com tudo. Eduardo Bolsonaro (PL), deputado federal, decidiu se autoexilar nos Estados Unidos, temendo por sua segurança e buscando soluções internacionais para, segundo ele, colocar algum tipo de freio nas decisões do ministro Alexandre de Moraes.
Vale lembrar que a reportagem de Fábio Sarapião e Glenn Greenwald, na Folha de S. Paulo, em 2024, mostrou conversas vazadas entre assessores do ministro Alexandre de Moraes que, segundo o texto, comprovam que Moraes escolhia alvos e ajustava relatórios contra bolsonaristas. Em uma das mensagens, um dos assessores de Moraes dizia: “Ele quer pegar o Eduardo Bolsonaro.”
Nesta semana, aconteceram mais dois casos inusitados, mas já comuns, em nossa “democracia”. A deputada federal, com quase 1 milhão de votos, Carla Zambelli, teve sua prisão preventiva decretada por Alexandre de Moraes. Eu não vou nem comentar se a condenação dela a 10 anos de prisão em regime fechado é justa ou não, quero apenas dizer o que a Constituição Federal traz: nenhum parlamentar poderá ser preso durante o exercício de seu mandato, salvo em flagrante de crime inafiançável. Ainda assim, terá que ser submetido à autorização da sua respectiva casa legislativa. E, no caso de Zambelli, não se trata de um crime inafiançável e nem a Câmara votou sobre sua prisão. Ela foi acusada e condenada por mandar um hacker invadir o sistema do STF.
A outra situação inusitada-comum foi a condenação do humorista Léo Lins a 8 anos de prisão em regime fechado, pagamento de multa de mais de 1.000 salários mínimos e indenização de 300 mil reais por danos morais coletivos, devido a piadas realizadas em um de seus shows.
Condenar um humorista por contar piadas é o retrato de um Brasil doente, imoral e de cabeça para baixo, tal qual o novo mapa-múndi que Dilma apresentou na China. Segundo essa turma, basta virar de ponta-cabeça para que o mundo se adapte às suas ideias toscas.
Imagine que você está montando um quebra-cabeça. Cada uma das peças tem encaixes predeterminados. Você precisa procurar, pensar muito, quebrar a cabeça para tentar encontrar o lugar perfeito para cada uma das peças.
Para muitos, não é preciso ter esse trabalho todo, basta pegar uma tesoura e sair recortando as peças conforme desejar. O resultado disso é uma imagem final horrível, sem sentido, sem beleza, sem forma. Imagine montar um quebra-cabeça assim, sem obedecer à realidade predeterminada de cada uma das peças. É um verdadeiro caos.
A desonestidade intelectual é grande e infecciosa. Ela vai se alastrando por todas as camadas da sociedade. Temos uma infecção generalizada. Jornalistas, políticos, juízes, professores… todos acreditando que, realmente, para resolver “a questão social”, basta virar o mapa de ponta-cabeça, basta usar uma tesoura para cortar as peças do quebra-cabeça e encaixar do jeito que desejam.
Para os justiceiros sociais e editores da sociedade, para validar suas próprias ideologias e continuar sendo recompensados por seus serviços de engano e autoengano, vale passar por cima da Constituição, ignorar o devido processo legal e esquecer da moral e do bom senso. Como Maquiavel ensinou em “O Príncipe”: para se manter no poder, vale tudo.