Germán Efromovich (preso pela Polícia Federal) e os alagoanos “do bem” e “do mal”

19/08/2020 14:22 - Blog do Celio Gomes
Por redação
Image

A Polícia Federal prendeu nesta quarta-feira os notórios irmãos Efromovich. Por causa da pandemia de Covid-19, eles ficam em prisão domiciliar. A dupla tem história. Em agosto do ano passado, publiquei o texto que começa a partir do próximo parágrafo. Está nos arquivos do blog. O título foi: “O maior estaleiro das Américas” – dez anos de uma incrível farsa alagoana. Achei pertinente republicar. Confira aí. 

                                                      * * *

Essa é uma história que passa pela categoria dos “Alagoanos do Bem”. Logo adiante falarei um pouco mais sobre a origem e os usos dessa expressão na imprensa estadual. Antes, vamos direto ao ponto: em outubro de 2009, o então governador Teotonio Vilela Filho anunciou aquele que seria o maior projeto de desenvolvimento da história de Alagoas. A boa noticia foi divulgada com estardalhaço – e não era pra menos. Aqui seria construído “o maior estaleiro das Américas”.

A exorbitância que vai entre aspas aí acima estava na propaganda oficial. Segundo o governo, o estado havia fechado o negócio com o megaempresário Germán Efromovich, presidente do Synergy Group, e tido como um craque no ramo. O homem tinha sua assinatura na indústria pesada, mundo afora. O investimento prometido batia na estratosférica cifra de 1 bilhão de reais. Seria a “redenção” da província.

A região de Coruripe, no litoral sul, foi a escolhida para receber o Estaleiro Eisa Alagoas. Sempre de acordo com a publicidade oficial, as obras começariam no ano seguinte, 2010, o que já significava a geração de 4.500 empregos. “Trata-se de um empreendimento histórico para nossa terra, que vira uma página na nossa economia”, festejava o governador Téo Vilela, ao falar sobre a conquista.

O projeto, de tamanha envergadura, abriria diversas frentes de prosperidade, como também explicava o governador naqueles dias: “Além dos empregos diretos, teremos dezenas de fábricas – para acessórios dos navios – que devem ser construídas ao redor do estaleiro. Isso significa emprego, renda, impostos e desenvolvimento”. Eleito em 2006, o tucano estava no primeiro mandato.

Acompanhei de perto tudo isso. Na época, exercia o cargo de editor-geral da Gazeta e, nessa condição, o assunto passou a ser pauta prioritária na minha rotina de trabalho. Como manda o bom jornalismo, era preciso ir além do registro meramente informativo sobre o projeto. Repórteres caíram em campo para buscar detalhes do negócio. Um mistério a esclarecer: quem era o megaempresário?

Pelo que me lembro, o jornalista Davi Soares, então repórter na editoria de política, levantou a biografia de Germán Efromovich. Os dados eram um tanto preocupantes, digamos assim. A vida pregressa do heroico investidor não era exatamente um primor de realizações em suas indústrias, como aparecia na propaganda. O cidadão colecionara acusações e processos por onde passou.

Em reportagem especial, a Gazeta publicou o que havia descoberto sobre o construtor de estaleiros. O governo, é claro, não gostou. Continuamos a cobertura, divulgando o que as autoridades anunciavam, mas sem deixar de lado a atenção aos aspectos nebulosos daquela “obra redentora”. Foi então que alguma alma patriótica atacou nossas reportagens como trabalho de “maus alagoanos”.

O tempo foi passando, e nada de concreto surgia sobre o futuro estaleiro. Ao invés de apresentar respostas reais sobre o atraso, o próprio governador embarcou numa espécie de teoria da conspiração e passou a fantasiar sobre uma guerra entre os que torciam contra e – agora sim – os “Alagoanos do Bem”. Na imprensa, logo surgiram as vozes solidárias com a fantasia chapa-branca.

Em 2010, Téo Vilela se reelegeu e, durante os quatro anos do segundo mandato, continuou fiel à tola (e leviana) narrativa conspiratória. Enquanto isso, no mundo real, os prazos foram sendo adiados, um atrás do outro. Nada. Até que todos pararam de falar no assunto. Como se sabe, estaleiro nenhum está construindo navios e plataformas de petróleo no paraíso de Coruripe (foto lá no alto).

Aliás, a promessa era de que a indústria levantaria “três navios e duas plataformas por ano”. A garantia era do próprio empresário. Embora todas as projeções sempre apontassem para o infinito, o governo foi incompetente até para resolver o básico, que era o licenciamento ambiental. Erros primários e falta de transparência nesse ponto foram jogados na conta dos “alagoanos do mal”.

Essa é uma das grandes coberturas das quais me orgulho de ter participado como jornalista. Não é papel da imprensa exaltar o oba-oba de governo nenhum. A essência do jornalismo é precisamente o contrário: desconfiar sempre, fiscalizar o poder sem medo, revelar a verdade que tanto incomoda.  

E foi isso o que a Gazeta fez em tudo o que publicou sobre o estaleiro que nunca virou realidade. O industrial Efromovich continua enrolado com a Justiça até hoje. E me ocorre o seguinte: cara, o tempo voa mesmo; parece que foi outro dia, mas, neste 2019, aquela incrível farsa completa uma década.

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..