Acusação de doleiro contra os donos da Globo muda o tom da imprensa sobre delações

17/08/2020 01:26 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Dario Messer, o doleiro dos doleiros, disse em delação premiada que entregava dinheiro vivo aos irmãos Roberto Irineu e João Roberto Marinho. Segundo o delator, os repasses ocorreram ao longo dos anos 90. Messer contou ao Ministério Público Federal no Rio de Janeiro que eram duas ou três remessas todo mês. Os valores variavam entre 50 mil e 300 mil dólares. Na versão do doleiro, funcionários seus levavam a grana, em espécie, até a sede da TV Globo, no histórico endereço do Jardim Botânico. A família Marinho garante que é tudo mentira, fruto da cabeça de um marginal.

No Jornal Nacional, William Bonner leu a notícia durante 1 minuto e 22 segundos. Sem imagem. Apenas uma “nota pelada”, como se diz no jargão exclusivo da turma que trabalha em telejornalismo. O texto do JN ressalta que o doleiro “não apresentou provas”. Informa ainda que o próprio Messer afirma que nunca se encontrou com os irmãos Marinho. Em seu principal telejornal, a Globo foi comedida, tentou abafar a história. 

No site da Veja, que deu a notícia em primeira mão, há um trecho inusitado, incomum na grande imprensa quando noticia cada nova etapa da Operação Lava Jato: “O histórico dos últimos anos de delações na Justiça brasileira recomenda muito cuidado com acusações do tipo, muitas vezes feitas de forma irresponsável pelos réus como uma tentativa desesperada de reduzir a pena”. A revista parece zelosa com o amplo direito de defesa.

A delação de Dario Messer foi homologada. É oficial. Em tese, isso significa que ele teria apresentado elementos com alguma consistência. Se tudo foi feito dentro dos conformes, as autoridades teriam, a partir das revelações do delator, um caminho para chegar a provas dos eventuais crimes. Mas, como se vê no alerta da Veja, temos de ter precaução. Não é qualquer delator que vai destruir reputações inocentes. Parece algo razoável.

A postura da Veja é a mesma nos demais grandes veículos. De repente, bom senso, sobriedade e responsabilidade com a informação caíram sobre a mesa de todos os editores. Que coisa, não? Não era assim até ontem, quando o objetivo das “grandes delações” era pegar Lula, Dilma e a petralhada. Nos últimos cinco anos, os garotões da Lava Jato detonaram como queriam. Defesa, para Sergio Moro, era “showzinho” de advogado.

A Globo e a Veja têm razão. É preciso ter muito, muito cuidado mesmo, com a farra das delações. Quem acompanha o blog sabe o que penso sobre o tema. Num bocado de texto, comento estripulias e delinquências que saíram daquela excrescência chamada de República de Curitiba. Globo e Veja não pregavam nos demais casos de delação o que pregam agora. Para a família Marinho, aliada fiel do lavajatismo, o drama é mais pesado.

Outra notícia do momento parece combinar com o caso Doleiro-Marinhos: a Polícia Federal concluiu que a delação de Antonio Palocci é uma porcaria que nada vale. É o que já se sabia, faltava somente uma assinatura oficial. Agora não falta mais. E o que dizia o ex-ministro? Dizia que Lula era o destinatário de uma fortuna depositada em contas no exterior. A PF diz que as “denuncias” não passam de um apanhado no Google.

A delação do ex-ministro é aquela mesma que o então juiz Moro liberou às vésperas da eleição de 2018. Foi o lance mais ousado do cabo eleitoral que seria ministro da Justiça do presidente eleito. A decisão da PF desmoraliza – um pouco mais – o juizinho parcial de Maringá. O trololó de Palocci já havia sido recusado até pelos bravos rapazes do MPF. Ou seja, parece que, no caso da delação contra Lula, ninguém teve lá “muito cuidado”. 

Como a Lava Jato e Sergio Moro viraram inimigos de ocasião de Bolsonaro, o negócio vai render. O presidente foi às redes sociais e tripudiou com as revelações do doleiro maior sobre a Globo. O capitão disse que estava ansioso para ver o Fantástico deste domingo – queria conferir a reportagem sobre o assunto. Faz sentido. Esse era o padrão global na cobertura das operações que batiam nos endereços durante a madrugada.   

Não, não houve reportagem sobre isso no Fantástico. A Globo deve entender que não há interesse público. Mas e se o doleiro tivesse afirmado que entregava dólares, durante anos, para o senhor Lula da Silva? Como seria a cobertura do Jornal Nacional? Pela fumaça, do ponto de vista legal, Roberto Irineu e João Roberto podem ficar tranquilos. Estão livres dessa. Agora, no mundo da política, as consequências farão algum estrago.

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