Renda Brasil, Paulo Guedes e o comunismo

25/07/2020 18:52 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Trocando em miúdos, Bolsonaro está decidido a ganhar o eleitorado pelo bolso. O auxílio de 600 reais para os sem-renda, neste período da pandemia que assola o país, foi a senha definitiva para o capitão perceber a “janela de oportunidade”. A popularidade do elemento até subiu desde que o dinheiro começou a chegar na ponta, na mão de quem estava sem nada. Pesquisas de diferentes institutos atestam que a maioria dos beneficiados vê o socorro oficial como obra e graça de Jair Messias. Mesmo que isso não seja verdade, põe Bolsonaro no pedestal do novo pai dos pobres. Por aí.

Corta para Paulo Guedes, o ministro da Economia que despreza políticas de transferência de renda, vistas por ele como verdadeiro crime de lesa-pátria. É que o ministro, todos sabem, é de uma escola de pensamento na contramão de qualquer ideia que lembre os arredores do chamado Estado de bem-estar social. O cara é dos bancos, é do liberalismo, é da autorregulação do mercado. Assim, é o seguinte: quem tiver lascado que se vire.

Na prática, porém, a coisa não tem sido assim. De repente, Guedes passou a bajular Bolsonaro em público, exaltando exatamente a distribuição de dinheiro para as populações mais carentes. Fala como se a dupla (ele e o presidente) estivesse reinventando a roda, fazendo algo inédito na história do país. Ao farejar o aplauso das ruas, o governo parece disposto a apostar tudo no discurso de assistencialismo direto, com repasse de grana.

Sinal definitivo na inflexão do liberalismo de Guedes – com o qual Bolsonaro se fantasiou – é o anúncio da criação do Renda Brasil. A marca fantasia vai, na verdade, rebatizar o Bolsa Família – criação do governo Lula a partir de programas da gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso. Cada um vai acrescentando um tijolinho na arquitetura da antiga construção. Mas tudo mudaria no governo da nova direita, reverente ao Estado mínimo. 

Deu-se o contrário. O Renda Brasil é a aposta de Bolsonaro para avançar no Nordeste. Na região, o presidente já vê sua rejeição começar a diminuir. Na outra ponta, é óbvio, cresceu a aprovação ao governo do capitão da tortura. Vejam que o Bolsa Família era “esmola do PT para comprar os pobres”. É o que dizia Bolsonaro, é o pensamento do ministro. E aí estão os liberais a turbinar uma clássica política com DNA de esquerda.

E como ficam os projetos do “gênio” do mercado? Antes, durante e depois da campanha, Guedes prometia um novo mundo aqui no Brasil. A cada ação do governo, a cada convênio, a cada tratado internacional, a cada pacote de privatizações, 1 trilhão de reais cairia nos cofres da pátria. E toda essa fortuna, jamais vista por aqui, nos daria os investimentos para sermos uma potência da gota serena. China e Estados Unidos deveriam tremer.

Miragem. Fantasia. Estelionato. Enquanto Paulo Guedes não consegue privatizar nem os Correios, Bolsonaro se esbalda na “inauguração” de mais uma etapa do milenar projeto de transposição do rio São Francisco. Lá estava o sujeito, nos trajes do mais mequetrefe populista, “levando água para os sertanejos”. Não era essa a gestão que os liberais na economia e conservadores nos costumes anunciavam a seus seguidores. Mas é o que temos.

Há uma dúvida cruel na cabeça dos donos do dinheiro diante desse desempenho do ministro da Economia. O que está acontecendo com aquele parceiro do grande capital e da ciranda financeira? É ainda confiável para os “investidores”? Para tumultuar ainda mais o panorama, Guedes e Bolsonaro tramam agora uma nova CPMF. Virá com outra sigla, claro, numa tentativa de disfarçar o indisfarçável. Ninguém aposta nada no horizonte.

Outro dia, em entrevista à CNN Brasil, para defender suas fixações, Guedes atirou no Plano Real. É a prova definitiva de quem é o ministro de Bolsonaro. Um ressentido que nunca engoliu o fato de jamais ter chegado nem perto do protagonismo daquela equipe que, lá nos anos 90, mudou a realidade brasileira. Ele tem inveja de Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha e Armínio Fraga – figuras centrais na vida pública e na academia.

Como vocifera o apoplético historiador Marco Antonio Villa, Guedes nunca escreveu um livro, um ensaio que seja, para expor suas ideias ao debate. Daí sua ojeriza ao pessoal do Plano Real. Não é um pensador, um estudioso de economia. É tão somente um brucutu, cão de guarda na defesa de privilégios dos milionários. Com sua piscadela para um “Estado-babá”, periga atrair a fúria dos caçadores de comunistas. Era só o que faltava. 

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