Tô Feliz (Matei o Presidente)

09/07/2020 13:30 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Na Folha de S. Paulo, o jornalista Hélio Schwartsman escreveu um artigo que está provocando uma zoada e tanto. O título já entrega a ideia-bomba: Por que torço para que Bolsonaro morra. O texto veio após o presidente anunciar que contraiu a Covid-19. O colunista defende a tese de que a morte do capitão faria bem ao país. Segundo o conceito de “consequencialismo”, ele afirma, “ações são valoradas pelos resultados que produzem”. Portanto, “o sacrifício de um indivíduo pode ser válido, se dele advier um bem maior”.

É evidente que não estamos diante de uma tese inofensiva. E é claro que o governo e aliados de Jair Bolsonaro partiram pra cima do integrante da Folha – aliás, um medalhão que assina textos no jornal há umas três décadas. O ministro da Justiça, André Mendonça, um operoso pau-mandado, já acionou a Polícia Federal. O governo quer enquadrar Schwartsman na Lei de Segurança Nacional.

O secretário especial do Ministério das Comunicações, Fábio Wajngarten, respondeu ao jornalista, também com um artigo na própria Folha. Em seu texto, ele acusa Schwartsman de propagar o ódio e agir contra valores da democracia. Sim, na hora de posar de vítima, até bolsonaristas caninos se dizem os mais puros defensores de princípios democráticos. É a ficção disfarçada de realidade.

Não, eu não desejo a morte de ninguém. Bolsonaro deve ficar vivinho da silva para responder por todas as barbaridades que comete no desgoverno que destrói o Brasil. Os males que esse senhor provocou até agora já seriam suficientes, com sobra, para um processo de impeachment. Aliás, esse é um fantasma que assombra o amigão de milícias. O xamego com o Centrão decorre desse temor.

Não gostei do texto de Schwartsman. Como faz com frequência em seus artigos, ele debulha em poucas linhas um arremedo de alguma teoria filosófica para então defender suas ideias. (Ele também é formado em Filosofia). Sempre me parece meio forçado seu estilo, ancorado em elucubrações supostamente eruditas. Não é a primeira vez que ele apela a alguma provocação barata.

A controvérsia lembra um pouco, ao menos para mim, a cantoria de Gabriel O Pensador. No remoto ano de 1992, o ainda desconhecido rapper surgiu no mundo da música com um estrondo: numa fita demo, ele lançou Tô Feliz (Matei o Presidente), com versos em que celebrava ter assassinado Fernando Collor. Naquela altura, os escândalos no governo já sinalizavam um destino fatal.

A música teve imediata repercussão e foi censurada. Mas, no ano seguinte, em 93, abria o primeiro disco do jovem rebelde. O debate ganhou as manchetes nos cadernos culturais, com um detalhe que tornava a coisa mais curiosa: a mãe do Pensador, a jornalista Belisa Ribeiro, havia comandado o marketing na campanha eleitoral de Fernando Collor. Parecia enredo de telenovela.

Em 2017, duas décadas e meia depois, o compositor lançou Tô Feliz (Matei o Presidente) 2. Agora em outro Brasil, o alvo é Michel Temer, o vice que herdou a cadeira de Dilma Rousseff, após outro processo impeachment no país. Apesar da virulência das letras, Collor e Temer passam bem.

Jair Messias foi alvo de facada na campanha de 2018. É um sobrevivente, portanto, de tentativa de assassinato. Não se deve avançar certos limites diante de temas mais complicados. Por isso, entre outros aspectos, o jornalista da Folha pode ter sido imprudente. Mas não cometeu crime nenhum.

Em debate, mais uma vez, a combinação entre direitos fundamentais, como a liberdade de imprensa, e o respeito ao ordenamento jurídico. O governo vê o artigo como uma infração às leis, mas isso é apenas uma jogada conveniente à turma do capitão. O inquérito oficial não deve prosperar.

Como alguém já escreveu por aí, torcer pela morte de Bolsonaro é se igualar a ele, um notório entusiasta da tortura e da ação de grupos de extermínio. Seja como for, na arte ou no jornalismo, censura jamais. Podemos detonar o cara, mas Schwartsman tem direito de escrever o que quiser.

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