Eleição no MP-Alagoas: mulher não tem vez com a macharada do Clube do Bolinha

17/04/2020 16:12 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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A foto que ilustra este texto mostra uma integrante do Ministério Público de Alagoas depositando voto na urna, no chamado sistema de drive-thru (novidade forçada pela pandemia de Covid-19). Nesta sexta-feira a instituição realiza eleição para novo procurador-geral de Justiça. Como ocorre há duas décadas, a categoria elege uma lista tríplice e envia ao governador. Caberá a Renan Filho a palavra final sobre o nome daquele que será o chefe do MP pelos próximos dois anos. Seis candidatos concorrem ao posto.

Nenhuma mulher é candidata. Elas podem votar, como a senhora da foto, mas comandar a turma, aí não. Mandar no pedaço é coisa para cabra macho. A macharada do MP apresenta estes candidatos: Antônio Luis Vilas Boas Sousa, Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, Wesley Fernandes de Oliveira, Marcus Rômulo Maia de Mello, Eduardo Tavares Mendes e Flávio Gomes da Costa Neto.

São velhos conhecidos, tanto nos holofotes quanto nos bastidores da vida pública. Um deles, Eduardo Tavares, já foi procurador-geral de Justiça, durante o governo Téo Vilela. Licenciou-se do MP, se elegeu prefeito de Traipu (sua terra natal) e está de volta à velha casa. O trânsito insidioso entre a missão de fiscalizar os poderes e a mais rasteira politicagem é uma aberração inaceitável.

Mas isso é outro departamento. Voltemos ao domínio dos machões no MP. No site da entidade você encontra a galeria com todos os nobres senhores que já comandaram o pedaço. Ainda em outros tempos, quando o mundo era outro, há quase 150 anos, o primeiro procurador-geral de Justiça foi João da Silva Rêgo Mello. De lá para cá, são 36 nomes os que dirigiram o MP alagoano.

E não, nunca, jamais, desde o século 19 até este século 21 do terceiro milênio, mulher não tem vez. Nunca uma voz feminina chegou ao topo por ali. Parece existir uma lei – não escrita – que proíbe que o cargo de comando tenha uma procuradora-geral. E esta eleição prova, de maneira desconcertante, que há algo de muito errado com esta realidade. Não há sequer candidata ao posto?!

Por que isso acontece? Quem acha que é obra do acaso, que a vida é assim mesmo, não entendeu nada. O machismo estrutural e indomável é marca brasileira desde as eras mais remotas. Sendo desse jeito na esfera doméstica e privada, a coisa é tradição maléfica em todas as camadas do poder.

Como todos devem lembrar, o ano de 2020 começou em Maceió com um promotor de Justiça atirando na direção de uma casa onde três mulheres festejavam a noite da virada. O pistoleiro viril se disse incomodado com o barulho. Quantos promotores no MP pensam igual àquele colega?

Quando vi a lista de candidatos a procurador-geral, sem ao menos uma promotora entre eles, lembrei do promotor valentão que atirou na caixa de som no réveillon. É a cara do Brasil sanguinário contra a mulher. Não é por acaso que somos campeões mundiais de feminicídio. Ô desgraça!

Um parêntesis. Raquel Dodge foi a primeira mulher a comandar o Ministério Público Federal, com um mandato entre 2017 e 2019. A tradição de domínio da macheza não é exclusividade no MP estadual. Bolsonaro não reconduziu a procuradora ao cargo, escolhendo Augusto Aras, um amplamente tosco.

Nos quadros do Ministério Público de Alagoas existem mulheres com todas as credenciais para o posto de procuradora-geral de Justiça. Aliás, são muito melhores do que os candidatos que se apresentam na eleição de hoje. Não citarei nomes para evitar injustiças e algum ruído de informação.

Antigamente se usava o termo “Clube do Bolinha” para se referir a grupos, de qualquer natureza, nos quais a mulherada não podia participar. A turma que manda no MP estadual é um desses clubinhos exclusivos para os garanhões. Mas não há nada de engraçado nisso. “Bolinha” aqui é só truculência.   

Lamento que, em tempos de empoderamento feminino, num país governado por um bando de canalhas, que tem entre seus principais esportes a discriminação e a violência contra a mulher, uma instituição como o MP seja refém da força bruta. Espero que essa maldita tradição acabe um dia.

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