Acidente de trânsito é sempre manchete!

24/02/2020 12:17 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Notícias na imprensa alagoana. No TNH1: Criança morre e sete pessoas ficam feridas após carro colidir com animal. Na Gazetaweb: Motociclista morre após se chocar com animal na rodovia AL 220. No CADAMINUTO: Ciclista morre e carona fica ferido após serem ‘atropelados’ por carro de passeio em rodovia. E no G1 Alagoas: Carro capota e deixa feridos em São José da Laje. Acidentes de trânsito com morte. É quase uma categoria específica na linha editorial das redações, das empresas. Páginas de sangue.

Os rivais no mercado da informação se parecem nos métodos, nos critérios que selecionam os assuntos a ficar no topo das publicações, brigando pela atenção do leitor. As notícias que citei apareceram nos destaques dos sites ao longo do domingo e desta segunda de Carnaval. Sempre me chama atenção a recorrente escolha de mais uma derrapada na rodovia para ganhar as manchetes.

A fixação, claro, é anterior ao jornalismo e tem uma longa história que detalha nosso interesse mórbido por coisas esquisitas, traumáticas, do campo do grotesco, enfim, como diria, talvez, o teórico Muniz Sodré. Mas não estou aqui com uma sentença de condenação aos veículos e jornalistas por recorrerem ao apelativo da “tragédia sobre rodas”. Pautei e editei reportagens assim a vida toda.

Exageramos com essa pegada de tiros, assassinatos e mortos e feridos nesta ou naquela ocorrência da antigamente chamada crônica do mundo policial. Parece que as manchetes em nossa imprensa estão sempre sortidas do mesmo assunto, ainda que os casos concretos retratados sejam diversos. O tema de sempre é a morte diante dos olhos – nas ferragens pelo asfalto, nos becos das cidades.

Assim como os editores dos veículos que citei, e de todos os outros que estão por aí à caça de notícia, também já escolhi a foto mais forte, o flagrante mais dramático pelo olho do repórter fotográfico, para cravar no alto da primeira página. Não é que esteja errado, mas vira um problema quando o automatismo dessa lógica elimina o indispensável parâmetro da dúvida. Há salvação?

Jornalistas publicam com zoada as histórias de acidentes de trânsito porque isso sempre vende. Eis uma das tantas máximas que fazem parte do nosso manual extraoficial. Não existe esse mandamento escrito em nenhum compêndio sobre jornalismo, que eu saiba. Mas agimos como se a regra fosse tão sagrada quanto os dogmas dos livros divinos. Ninguém contesta nada, todos se repetem.

Raramente leio as matérias e reportagens sobre esses episódios de trânsito. Fico nos títulos. Quando, por alguma razão específica, vou aos textos, quase sempre há uma frustração com os dados ali trazidos ao público. Sempre falta algo; às vezes falta muita coisa; e, o mais chocante, vez por outra, falta tudo. A “notícia” se resume à descrição sumária de quantos feridos e quantas “vítimas fatais”.

O jornalismo privilegia o grotesco por que o público é raso ou o leitorado é um tanto rasteiro por que a imprensa abusa da bagaceira? Sem nada de original, é aquela fábula sobre, finalmente, o que veio primeiro? Na cabeça do executivo de comunicação, e do jornalista também, não se deve correr riscos à toa. Se os capotamentos e trombadas dão ibope, por que mudar? Caímos nessa armadilha.

Nesse jornalismo do sangue pelo sangue, uma complicação a mais para veículos e jornalistas é justamente lidar com a ideia que fazem da sociedade pra quem escrevem e publicam. Virá o dia em que sites de imprensa em Alagoas não se sentirão obrigados a disputar os quilômetros de uma derrapagem na AL-1001, cujo saldo são pessoas – sem identificação – com supostas escoriações.

A palavra é sensacionalismo! Mas o conceito não explica tudo. Antes de estratégias e jogadas para ganhar os cliques, suspeito que há uma certa letargia. Todas as rotinas tendem à acomodação, à rejeição a apostas de resultados inesperados. Redações não estão imunes a esse perigo permanente. Para que manchetes passem por uma revolução, temos de implodir a maldita “Zona de Conforto”.

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