Auditorias, consultorias e caixas-pretas

29/01/2020 13:32 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro já se dizia um caçador da caixa-preta do BNDES. O banco, segundo ele, foi usado de maneira criminosa pelos governos do PT para beneficiar os amigos da turma de Lula e Dilma. Eleito, o honestíssimo presidente manteve essa obsessão em pauta, dia sim, dia também. A coisa era tão séria que o capitão atropelou Paulo Guedes e demitiu Joaquim Levy da presidência do banco – porque ele estaria fazendo corpo mole na busca pela tal caixa-preta. Agora, os números apareceram.

E qual é a bomba? Quantos milhões o BNDES torrou em contratos ilegais? Quais foram as empresas e as figuras da política que se beneficiaram do esquema fraudulento? Essa conversa é um dos mantras dos doentes que enxergam em Bolsonaro um estadista. Mente perturbada, que se expõe num estranho dialeto, o bolsonarista de raiz já acordava berrando ao mundo: “E a caixa-preta do banco?”.

Como o leitor já sabe, o Brasil acaba de ser informado de uma coisa bem singela acerca desse assunto. Todos nós – o contribuinte, o povo – pagamos por uma auditoria contratada para descobrir a roubalheira do PT lá no BNDES. Resultado: nada, zero, coisa nenhuma. A investigação atesta a lisura de todos os contratos. O presidente miliciano tomou um golpe inesperado e ficou sem discurso.

E tem mais. O austero governo do capitão que adora miliciano e torturador pagou um trocado pela auditoria – que aliás tem um braço internacional, claro. Foram torrados nada menos de 42 milhões de reais. Nesta quarta-feira, a direção do banco informou que de fato “nenhuma irregularidade foi encontrada nas operações do BNDES”. O período devassado pelos auditores vai de 2005 a 2018.

Eis aí mais um caso típico, um clássico mesmo, de estelionato eleitoral. A “caixa-preta do BNDES” era somente mais uma fraude nas “propostas” do candidato que iria dar um jeito nisso daí. Os fanáticos e os rapazolas que combatem o marxismo cultural acreditaram. Joaquim Levy caiu porque não queria abrir a caixa. O presidente atual, Gustavo Montezano, pode cair porque abriu e não achou nada.

“Auditoria” é quase sempre palavra recorrente na boca de gestores que acabam de assumir um cargo. Parece até uma fixação de ordem existencial. Por isso mesmo, quando algo é assim tão presente na vida pública, é bom desconfiar. Rápida pesquisa no velho Google nos revela: o que não falta é notícia de gente anunciando auditoria para, agora sim, deixar tudo na maior transparência.

Prefeito, governador, secretário, diretor de sindicato, presidente de time de futebol, gerente de associação de moradores, síndico e coordenador de galinheiro... Não importa o negócio, a nova gestão não começa se não houver a contratação de uma auditoria. Para isso é essencial uma cuidadosa escolha dos auditores. Logo, é o caso de, pra não errar, contratar também uma consultoria.

Agora sim, pense numa tabelinha que já fez a festa de muitos doutores aqui mesmo em Alagoas. Parece que auditor e consultor foram feitos um para o outro. Temos afamados juristas que não fazem outra coisa na vida a não ser operar nesse segmento. Um caso que até o ano passado rendeu certo barulho envolve a prefeitura de Arapiraca. O troço virou investigação do Ministério Público.

Ao longo das últimas décadas, no jornalismo diário por aqui, sou testemunha de que as jogadas envolvendo autoridades, consultorias e auditorias estiveram em pauta com uma frequência descomunal. Os caras gostam desses meandros nada regulares. Tem de tudo. O mesmo escritório serve a adversários políticos, em épocas diferentes, seguindo a alternância do poder – e da grana.

Por esse conjunto da obra, quando ouço um valentão da política anunciar que vai fazer e arrebentar – logo depois de uma auditoria – sei que a coisa já começa estranha. Na outra ponta, quando um doutor, craque em dar consultorias, aparece com aquela pororoca de juridiquês, penso logo em algo como pilantragem. O caso BNDES, a caixa-preta que era nada, atualiza essa bizarra tradição política.

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