Ser ou não Ser...Economista?

24/01/2020 19:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
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Em 2020 celebramos o centenário do maior pensador social brasileiro: Celso Furtado. Em diversas partes do país serão promovidas atividades, seminários, conferências, debates, solenidades e homenagens ao cidadão brasileiro que deu uma grande contribuição à ciência econômica mundial e a interpretação à nossa formação enquanto nação.

O Conselho Federal de Economia (Confecon) instituiu 2020 como o Ano Celso Furtado, homenageando o “economista paraibano”. Com um conjunto de 30 livros publicados, vários deles traduzidos para diversas línguas, Furtado se notabilizou pela teorização do subdesenvolvimento econômico e sua obra mais conhecida é Formação Econômica do Brasil, que ganhou uma edição definitiva em 2009, quando completou cinquenta anos do seu primeiro lançamento.

Alguém tem dúvida de que Celso Furtado foi um grande economista brasileiro? Muito difícil encontrar opinião em contrário, mesmo não concordando com suas ideias e teses. Da mesma forma, alguém ousaria duvidar da competência e capacidade de grandes nomes como Ignácio Rangel (1914-1994), Mário Henrique Simonsen (1935-1997), Winston Fritsch e Ricardo Paes de Barro, por exemplo?

Ignácio Rangel foi um pensador original. Maranhense da cidade de Mirador, foi um dos principais analistas heterodoxo da dinâmica do desenvolvimento econômico brasileiro. Era autodidata na ciência econômica, pois sua formação originária foi nas ciências jurídicas, assim como Celso Furtado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1944) e doutor em Economia pela Universidade de Paris, Sorbonne (1948). Todos os outros três, Simonsen, Fritsch e Paes de Barro eram engenheiros de formação. Porém, o primeiro tinha doutorado em Economia na EPGE/FGV, o segundo pela Universidade de Chicago e o terceiro pela Universidade de Cambridge.

Simonsen foi Ministro da Fazenda (1974-1979), Ministro do Planejamento (1979) e Presidente do Banco Central na década de 1960. Sua principal obra, resultado de sua tese de doutorado, Inflação: gradualismo x tratamento de choque, tornou-se referência nas décadas de 1980 e 1990. Por sua vez, Fritsch como professor da PUC-RJ foi responsável pela formação de outros renomados economistas e participou, diretamente, da formulação das bases e diretrizes do Plano Real, chegando ocupar o cargo de Secretário de Política Econômica (1992-1994). Em novembro de 2012, na edição 74 da Revista Piauí, foi publicada uma excelente matéria intitulada O liberal contra a miséria: Ricardo Paes de Barros, o economista que idealizou o maior selo da era Lula, abordando como Barros foi importante na formulação do programa carro-chefe do governo petista: o Bolsa Família [1].

Entretanto, esses “personagens”, por incrível que pareça não podem ser considerados economistas, segundo a Lei nº 1.1411, de 13 de agosto de 1951, que dispõe sobre a profissão de economista. Logo no Capítulo I está expresso o artigo e alíneas:

Art. 1º A designação profissional de economista, na conformidade do quadro de atividades e profissões apenso à Consolidação das Leis do Trabalho, é privativa:

a) dos bacharéis em Ciências Econômicas, diplomados no Brasil, de conformidade com as leis em vigor;

b) dos que possuem cursos regulares no estrangeiro, após a devida revalidação do respectivo diploma, no Ministério da Educação e Saúde; e

c) dos que, embora não diplomados, forem habilitados na forma deste Regulamento.

Ou seja, não há espaço para hermenêutica jurídica. Todos aqueles que possuam formação e títulos de bacharel em ciências econômicas ou habilitados de acordo com a Lei, podem ser designados economistas. Embora os supracitados não serem formados em economia, muito provavelmente poderiam ser enquadrados no item c (basta observar o Capítulo III, da Habilitação, do Título IV, Disposições Gerais e Trasitórias, da referida Lei).

Bom lembrar que ascensão das Ciências Econômicas no Brasil aconteceu com a criação da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, em 1946, integrante da Universidade do Brasil, na então capital federal, Rio de Janeiro [2]. Até a década de 1990 as oportunidades de formação na área foram crescentes. Atualmente, os cursos de graduação em ciências econômicas passam por sérias dificuldades no preenchimento das vagas disponíveis, permanência dos discentes no curso e diplomação no tempo mínimo exigido.

Retornando, então todos aqueles que se enquadram no Artigo 1 do Capítulo I da Lei acima mencionada, podem ser considerados e chamados de economistas. Agora, exercer a profissão de economista é outra história, pois para isso é necessário ter o registro profissional na entidade de classe, os Conselhos Regionais de Economistas Profissionais (CREP). Eles são importantes para garantir e assegurar as regras de comportamento profissional e ético dos economistas, avanços na regulamentação e prospectar oportunidades de trabalho de acordo com a habilitação e capacidades técnicas específicas à profissão.

Existe uma diferença semântica muito grande entre as palavras designação e exercício profissional.  Na área de economia, muitos pesquisadores e professores, por exemplo, são chamados de economistas, pois têm formação na área, formam economistas e reúnem conhecimento para proceder análises econômicas, pesquisas na área e produzir relatórios, artigos científicos etc. Por isso estariam exercendo a profissão de economistas? Não necessariamente, mas não deixam de ser economistas conforme posto na legislação e compreendido na própria palavra “economista” em sua designação.

É muito comum ver estudantes egressos das universidades e faculdades comentar que se tornaram economistas ao se formarem. Estariam equivocados, cometendo algum tipo de crime de falsidade ideológica? Claro, evidente que não. São todos muito bem vindos ao mundo dos economistas, mas, sabendo, que para exercer a profissão, ter garantias do cumprimento de acordos institucionais e se somar aos esforços e lutas pela valorização da profissão por mais espaços no mercado de trabalho, precisam se registrar nos CREP, embora muitos desses tenham esquecido de fazer campanhas permanentes pela valorização dos cursos de graduação, incentivar nossos jovens do ensino médio conhecer melhor a profissão e, fundamentalmente, associar mais profissionais.

Por fim, gostaria de parabenizar o Confecon por homenagear o nosso maior economista, Celso Furtado. Ou será que você ainda tem dúvidas que ele não era?

 

 


[1] CARIELLO, Rafael. O liberal contra a miséria: Ricardo Paes de Barros, o economista que idealizou o maior selo da era Lula. Revista Piauí, edição 74, novembro de 2012.

[2] SOUZA, Nali de Jesus de. O Economista: a história da profissão no Brasil. Revista Análise, Porto Alegre, v. 17, nº 2, p. 377-383, jul./dez., 2006.

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