A covardia dos machões e a coragem de Lanna Hellen: o caso do Shopping Pátio

12/01/2020 10:30 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Em Alagoas, o ano de 2020 começou com um episódio de intolerância e violência contra três mulheres. Foi aquele caso do promotor valentão que disparou oito vezes contra uma caixa de som, porque estava incomodado com o barulho. O doutor do Ministério Público Estadual acha que pode resolver as coisas assim, na base da pistolagem. Dias depois, mais um registro de agressão e preconceito, desta vez contra uma transexual, no Shopping Pátio Maceió. Os dois casos tiveram repercussão nacional.

Já escrevi sobre o pistoleiro do MP. Agora, falo sobre o que ocorreu com Lanna Hellen (foto), a vítima dos trogloditas que trabalham como seguranças no citado shopping. Depois de ser impedida de usar o banheiro feminino, sendo arrastada à força pelos gorilas adestrados do centro de compras, Hellen passou por outra sessão de abusos, com a entrada em cena de policiais militares. Foi tudo errado.

A jovem foi algemada e conduzida à Central de Flagrantes da capital. Insultada pelos machões de farda, ela foi jogada numa cela em que estavam dois homens presos – o que é mais um ato de violação aos direitos humanos. Depois de algumas horas, a rapaziada da PM parece ter desistido de algo mais incisivo e decidiu liberar a “prisioneira”. Na verdade, ela nem deveria estar naquele lugar.

A vida de Lana Hellen correu perigo. Tenho certeza que nada de mais grave aconteceu com ela porque sua detenção foi registrada pelos frequentadores do shopping. Sim, a internet, as redes sociais, o celular que tudo grava e reproduz – a tecnologia garantiu a sobrevivência de uma pessoa. Os abusadores sabem que não teriam como apagar aquela prisão vista sob tanto barulho.

Ao contrário dos covardões – do shopping, da PM e até dos Bombeiros –, Hellen mostrou que é alguém de coragem. Reagiu como pode enquanto era agredida no shopping e manteve a postura de altivez ao denunciar tudo nas entrevistas que deu à imprensa. Seu comportamento deve irritar ainda mais aqueles que pretendiam barrar seus direitos e tirar sua voz. Merece apoio e toda a solidariedade.

O Shopping Pátio Maceió divulgou uma nota contraditória. Em texto envernizado com orientações de assessoria de imprensa e marketing, diz que a empresa respeita as diferenças de gênero. Afirma ainda que “recebe e acolhe com respeito e empatia todos os públicos”. Mas, embora informe que o caso está sob apuração, a direção do shopping inocenta sumariamente seus seguranças.

Se ainda apura os fatos, como a empresa se apressa em negar as agressões à vítima – que afinal foram testemunhadas por dezenas de pessoas? Não cola. É claro que não se poderia esperar algo muito diferente do comando desse negócio. Evidente que a única preocupação aí é bajular o público. A imagem de truculência não combina com a necessidade de manter clientes em suas lojas.

A Comissão de Direitos Humanos da OAB se manifestou de forma protocolar. Espero que, para além do clichê – vago, oco, sem nada de concreto –, a entidade mostre algum serviço. Mais efetivos foram os manifestantes que ocuparam a praça da alimentação do shopping, no dia seguinte à agressão, num protesto tão urgente quanto necessário. Do Ministério Público, não ouvi nada.

O governador Renan Filho foi rápido em repudiar os fatos. Numa rede social, disse ter determinado uma “apuração rigorosa”. Segundo suas palavras, “a transfobia é algo que não pode ser tolerado”. Em seu texto ele cita o shopping, mas não se refere aos policiais militares nessa vergonha. Com os dados que surgiram depois sobre a PM, deduzo que sua disposição de investigar a fundo esteja mantida.

O Brasil é hoje mais violento do que nunca com a população LGBT. Entre as maldições do país está a suposta macheza do “cidadão de bem”, do chefe da “família brasileira” e dos milicianos de Jesus – essas vigarices todas turbinadas pelo bolsonarismo. Em 2018, a política “ganhou” um reforço e tanto com a eleição de uma horda de racistas e homofóbicos. E Alagoas tem sua falange muito particular.

No descalabro, ao menos surge a figura que ilumina tempos de obscurantismo. Lanna Hellen. Ela nos lembra que todos têm direitos iguais. E ninguém pode ser discriminado, muito menos agredido, pela cor da pele, orientação sexual ou por qualquer escolha que faça. Todo delinquente, ainda que revestido de autoridade, ao violar um direito individual, tem de ser denunciado e combatido.

(Na sexta-feira 10, esse episódio completou uma semana. Vamos esperar para ver as conclusões das diferentes investigações anunciadas. Que não seja transformado em mais uma novela sem solução).

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