Apagão no jornalismo da TV alagoana

19/12/2019 11:46 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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O apagão atingiu vários bairros de Maceió, do Tabuleiro ao Vergel, da Serraria aos confins da Ponta Verde. Foi no último sábado 14. Aqui, onde me escondo, a escuridão começou por volta de 23h e durou até a madrugada, perto das duas horas do domingo. A Equatorial, gigante que assumiu a distribuição de energia com a privatização da Companhia Energética de Alagoas, a velha Ceal, explicou tudo de forma singela: deu pane em nada menos que nove subestações existentes na capital alagoana. Sobrou alguma sem problema?

Pelas informações divulgadas, não ficou muito claro o que teria provocado essa quebradeira em cascata. Aliás, em casos assim, o mistério aumenta quando, diante de uma encrenca gravíssima, alguém põe o débito na conta de “problemas técnicos”. Ou seja, pode ter sido tudo e mais alguma coisa. Jamais saberemos o que de fato ocorreu. E fica a dúvida: a manutenção tá nos conformes?

Um serviço delicado como o fornecimento de energia elétrica exige, é claro, um severo controle de qualidade nos equipamentos. Não combinam com essa exigência atalhos e gambiarras para minimizar custos na gestão da empresa. Quando isso ocorre, em qualquer área, a negligência se torna uma perigosa regra para a população. Certamente não é assim que age a Equatorial.

Agora vou falar de algo que pensei assim que as luzes se apagaram no sábado, logo quando estava assistindo a uma série recomendada pelo camarada Coelho. Pensei no marketing da empresa fornecedora de energia para nosso estado. Desde que assumiu o negócio, a Equatorial aparece quase todo dia no telejornal de alguma das emissoras de TV alagoanas. Quase um quadro fixo.

Minha dedução, inteiramente fincada nos fatos e na lógica, é que a companhia tem aquilo que se chama de política de marketing de guerra. Ou, como diria um velho amigo roqueiro do Salvador Lyra, a Equatorial pratica o Cross Marketing. Que é mais ou menos o seguinte: duas ou mais empresas se juntam para, em harmonia, turbinarem seus negócios, uma pegando carona na outra.

Um parêntesis: peço vênia aos poetas da publicidade por minha explicação bastante superficial para o conceito de Cross Marketing. Voltando à nossa distribuidora de energia, a pauta do jornalismo televisivo não fica uma semana sem que a Equatorial não seja notícia. E notícia das boas, sempre com novidades e, acreditem, com promoções e brindes para o cliente/consumidor. Basta ficar ligado.

Tem a troca da geladeira velha por uma novinha. Tem incentivo para substituir a lâmpada antiquada por uma de LED – uma maravilha em sua vida. Há mutirões para você renegociar sua conta em atraso, com propostas imperdíveis. Há eventos para que você receba dicas de como economizar energia. Cara, é muita preocupação da empresa com a população do estado. Parece até novela.

Essas notícias positivas, para todos nós, são apresentadas geralmente por diretoras da empresa. O formato não é o da reportagem. A regra é um repórter da TV enchendo a bola da Equatorial e passando o microfone para a convidada explicar tudo em detalhes. Devo registrar que, nas ocasiões em que vi isso na televisão, a entrevistada de fato mostrou competência no exercício de sua função.

A Equatorial faz o que tem de fazer, digamos assim. Batalha para divulgar seus negócios, suas ideias, vender seu peixe. O problema aí é o trabalho que deveria ser de jornalismo. Deveria, mas não é. O que se tem por parte do veículo de comunicação, mais uma vez, é publicidade fantasiada de informação jornalística. A TV está fazendo, na verdade, uma transação comercial. Gato por lebre.

Ao comentar o caso com um jornalista das antigas, aborrecido com a imprensa alagoense, ele classificou a prática como estelionato. O âncora anuncia uma coisa e entrega o oposto. É o pior exemplo daquele Cross Marketing. Como já escrevi outras vezes, a promiscuidade entre Redação e departamento comercial – na TV – chega a níveis de crime hediondo. Esse apagão não tem jeito.

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