Cruzeiro, CSA e Argel Fucks: quando o futebol escancara uma tragédia moral brasileira

01/12/2019 02:03 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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A noite de quinta-feira, 28 de novembro de 2019, entra para a história do futebol brasileiro por causa de um jogo e de três fatores ligados a este mesmo jogo. A partida entre Cruzeiro e CSA seria apenas mais uma no Brasileirão, não fosse o conjunto de episódios inesperados – alguns absurdos – que veio à tona nas horas seguintes ao apito final do juiz. A surpresa inicial, claro, foi o triunfo do time alagoano, em pleno Mineirão, a casa do adversário. Como se sabe, com o placar de um a zero, o Azulão ainda sonha com o impossível.

Sim, escapar do rebaixamento para a Série B segue como uma miragem para a torcida azulina, um delírio somente permitido no imprevisível mundo da bola. E o que faz com que a delirante esperança permaneça é justamente a vitória que desafia a lógica. A zebra, portanto, é o primeiro daqueles três fatores que tornam esse duelo um marco para o esporte mais popular do país. Um marco trágico.

O jogador Thiago Neves é um dos protagonistas da lambança geral no Cruzeiro. Em um áudio que surgiu depois da partida, ele cobra salário atrasado ao cartola Zezé Perrela – um desses notórios bandidos que gerenciam nosso futebol. Até aí tudo bem. Na conversa, que ocorreu antes do jogo, ele reivindica pelo menos 60% do que o clube está devendo ao grupo. Mas diz algo fora do tom.

Segundo o atleta – uma eterna promessa de craque desmentida pela realidade –, a direção nem precisava pagar o “bicho”, que é a premiação pela vitória. Afinal, garantia ele na mensagem ao senhor Perrela: “Se não ganhar do CSA, pelo amor de Deus”. Mesmo com o apelo, a grana não saiu. E o que houve durante o jogo? Thiago Neves teve um pênalti pra igualar o placar, mas bateu pra fora.

Não bastasse o pecado da soberba, o meia acabou sob a suspeita de ter errado o chute de propósito. Aí, sim, pelo amor de Deus e Nossa Senhora! Tomara que ele não tenha cometido tamanho desatino. Para piorar o caldo, o episódio desse áudio escancara o nível das coisas na gestão dos maiores clubes do país. Amadorismo e arranjos fraudulentos formam uma tabelinha infernal.

E vamos agora ao terceiro fator ligado ao jogo Cruzeiro e CSA – que ilustra e reafirma o estado de calamidade do nosso futebol. Refiro-me ao papelão do treinador Argel Fucks (foto). Depois da vitória azulina, o sujeito simplesmente largou o time e assinou contrato com o Ceará, que briga diretamente com o CSA para não cair. A explicação do boleiro: foi para um time de “outro patamar”.

Não há registro na história, até onde sei, de uma atitude igualmente vergonhosa de outro técnico no Brasil. De fato, a ambição desmedida leva muita gente a gestos tresloucados. E há aqueles que fazem de tudo e mais alguma coisa para manchar a própria biografia – de modo irreparável e para sempre. É o caso desse fanfarrão. Caráter e noção de ética são categorias alienígenas para Argel.

O cara não entende que, em certas ocasiões, não importam os sacos de dinheiro, não importa a promoção, não importa a subida ao topo, se o preço a pagar é a desonra. A decisão do ex-treinador do CSA passa a mensagem segundo a qual, sim, tá liberado o vale-tudo. Do que adianta o sucesso manchado por uma escolha delinquente? Mesmo que tenha êxito, Argel já perdeu de goleada.

Nas reportagens que li sobre o episódio, centenas de comentários trituram o comportamento do treinador do Ceará. Seu gesto é condenado praticamente por todo mundo. Não há como defender o indefensável. Depois do que fez, quem pode confiar em Argel Fucks? Amanhã, ele pode fazer o mesmo com qualquer time. É triste, mas o ultraje e a vilania são agora suas vistosas tatuagens.

Cada um com sua jogada toscamente particular, Argel Fucks, Thiago Neves e Perrela escreveram um capítulo à altura da bizarrice que é norma no país pentacampeão do mundo. Ganhamos títulos nos gramados, é verdade, mas, no dia a dia, é um festival de caneladas, dissimulação e insultos a princípios básicos na relação com o outro. Porque esse jogo é muito mais que futebol.

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