Jornalismo “enlatado” na TV Gazeta de AL

07/11/2019 00:21 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Nas últimas semanas, virou rotina na TV Gazeta a exibição de reportagens de outras afiliadas da Rede Globo. A coisa é frequente no AL-1, no ar diariamente a partir do meio-dia. Nas vezes em que assisti ao programa, essas matérias, sempre muito longas, encerraram a edição do telejornal alagoano. Alagoano, mas com material produzido, por exemplo, pela EPTV, emissora de Campinas que integra a rede global. Os temas vão da prevenção a problemas de saúde a dicas de consumo no comércio de bugigangas.

O que os telespectadores que vivem em Maceió ou nas cidades do interior têm a ver com a realidade de paulistas campinenses? Nada, a não ser o fato de a TV Gazeta de Alagoas estar quebrada e, nessa situação, apelar ao socorro das empresas ligadas à Globo. É algo descabido, naturalmente, até pelo que representa a concessão de um veículo de comunicação. O recurso da TV local dribla as regras.

Sim. A legislação prevê a produção e divulgação de conteúdo regional pelas empresas de rádio e TV. Quando deixa de falar das demandas de seu público, para contrabandear notícias descoladas de Alagoas, a TV Gazeta distorce o princípio da concessão. Tinha de ser monitorada e cobrada por esse desvio, mas a coisa não funciona como deveria. Ao contrário, tudo corre solto, sem controle.

Para os jornalistas, a situação é um vexame. Uma das coisas mais deprimentes em televisão é telejornal sem assunto para exibir. Quando isso ocorre, os editores passam pela suprema humilhação de “devolver tempo” à coordenação de programação. O saudável é o editor brigar para ter mais tempo, e não o contrário. Não preencher os minutos à disposição é confissão de incompetência.

Suponho o constrangimento dos jornalistas que fazem os telejornais da TV Gazeta: recebem o pacote pronto, sem participar, é claro, de qualquer discussão de pauta ou de edição, e jogam a história no ar, pra nós aqui, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Não é. No limite do exagero, digo que estamos sendo vítimas de um estelionato. E, sem exagero nenhum, é um caso de desrespeito.

Em nome da precisão, devo lembrar que minhas observações sobre o trabalho em TV se baseiam em experiência concreta. Durante dez anos atuei nesse mundo paralelo que é a “imprensa televisiva”. Para levar os telejornais ao ar, brigava todo santo dia por minutos a mais, sempre mais, porque notícia era o que não faltava. Pelo exposto à luz do sol, hoje a TV Gazeta vive tempos opostos, bem difíceis.

A ironia é que a Globo aumentou o espaço dedicado a conteúdos locais em suas afiliadas. A duração do AL1 (na Gazeta) e similares (nas demais afiliadas) é de quase uma hora. Dá para fazer um estrago e tanto, no bom sentido, se você tem o que mostrar. Mas vira uma tragédia se a equipe de jornalismo não produz o suficiente, com a devida qualidade, para cobrir todo o tempo no ar. Isso pula na tela.

A reprodução de reportagens estranhas aos interesses do distinto público é o último sinal da crise que arrasta as emissoras de TV em Alagoas. São as maiores empresas do ramo, mergulhadas num buraco do qual não fazem a menor ideia de como escapar. Prova de que os gestores estão perdidos é justamente essa ideia da TV Gazeta. A “solução” encontrada foi o jornalismo enlatado. Aí não dá.

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