Miguel Torres foi o principal repórter de Alagoas nos telejornais da Rede Globo

26/10/2019 02:08 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Ao morrer aos 59 anos de idade, Miguel Torres leva com ele a memória íntima e pessoal de uma série de acontecimentos que vivenciou intensamente como repórter. E o período em que o jornalista mais se destacou, com reportagens de forte repercussão, local e nacionalmente, foram os anos de 1990. Trabalhei com ele durante toda aquela década, até 2001, quando deixei a TV Gazeta. Era uma convivência diária, ele como repórter e apresentador, eu como editor e depois na chefia do departamento de jornalismo.

A gente conversava quase diariamente, quando ele estava na rua produzindo uma matéria que iria ao ar, por exemplo, no Boa Tarde Alagoas – o ALTV 1 de hoje. O mesmo contato quando nossa faixa do dia de trabalho coincidia com a tarde e o ALTV 2. Miguel, o repórter, voltava da rua, com a fita na mão, e me entregava para editar suas histórias, com seu modo de ser, sua visão de mundo.

É, eu tive essa experiência com esse cara que partiu agora. A relação Repórter-Editor não raras vezes expõe divergências entre as partes, algo decisivo para o que chegará ao telespectador. A grande largada é que haja o bom texto, com bons personagens etc. – e isso é com o repórter. E é preciso que uma edição à altura do material “bruto” apresente a melhor reportagem possível ali.

Não tivemos divergências que pudessem ganhar status de coisa mais séria. O diálogo resolvia aquelas dúvidas no texto que estava sendo gravado. E eliminava impasses sobre algumas imagens. Ele sabia contar uma história. E muitas dessas histórias foram assuntos que Alagoas emplacou na agenda brasileira – por alguns dias, semanas ou muitos meses. Pauta era o que não faltava na época.

Foi assim na cobertura do Caso PC Farias, em 1996. É de Miguel Torres a reportagem do Fantástico que conta os detalhes da morte do empresário, em 23 de junho daquele ano. Editei o material enquanto outras reportagens iam chegando da rua – num domingo como nunca houve na história da imprensa alagoana. Ele ficou ao meu lado – o que não era comum – para acompanhar a edição.

Ao longo do Caso PC, ele “emplacou” diversas reportagens nos telejornais da Globo, e provavelmente todas passaram pelas minhas mãos. Antes desse caso, ele já era o repórter da TV Gazeta que mais entrava na rede. Era a cara preferida dos editores nos telejornais. Sei disso porque ouvi tais palavras nos contatos que mantinha com o pessoal da emissora. Ia do Bom Dia Brasil ao Jornal da Globo.

Um dia de fortes emoções na vida do repórter Miguel Torres foi o 17 de julho de 1997. Ainda pela manhã, explodiu o conflito entre manifestantes das forças policiais do estado e homens do Exército, diante da Assembleia Legislativa, no centro de Maceió. Na reportagem que editei, Miguel aparece abaixado, colado a bancos da praça, em meio ao tiroteio, com narração nervosa, tensa mas precisa.

Ali, mais uma vez, ele mostrou todo o seu talento e experiência, para recolher o máximo possível de informações, num cenário caótico, que levaria à renúncia do então governador Divaldo Suruagy. A agilidade era determinante para o êxito do trabalho, por uma razão particular: a missão era entregar ao Jornal Hoje uma ampla reportagem sobre a crise alagoana. O prazo era desesperador.

Deu tudo certo. Houve outros casos, grandes coberturas. Mas, antes de falar sobre mais um ou outro episódio, lembro isto: na verdade, é uma vastidão de relatos, e o que temos no fim das contas é um jornalista no epicentro da História que passa. Miguel Torres viveu o privilégio de ver antes, chegar primeiro, estar no lugar certo, na hora certa, atento, curioso, correto. Uma testemunha de seu tempo.

O Plano de Demissão Voluntária do governo estadual, que afastou do serviço público mais de 20 mil servidores, foi outra pauta que levou o grande Miguel ao público brasileiro, com reportagens nos telejornais da Globo, incluindo o JN. Fosse qual fosse o assunto, ele encaixava seu estilo, com sobriedade e segurança. Era aberto ao diálogo e acatava sugestões, em saudável troca de ideias.

Deixo de citar muitas outras ocasiões em que o repórter assinou reportagens de peso, para o estado e o Brasil. Algumas tão impactantes, ou até mais, quanto as que relembrei. Naquela década de 90, Miguel Torres era o “repórter de rede”, a cara de Alagoas na tela do jornalismo do maior grupo de TV do país. Mas ele não se deslumbrou. Não virou “global”. Seu jeito não combinava com essa tolice.

Eu o encontrei pela última vez há uns três anos, nos estúdios da TV Educativa. Ele acabara de passar por um procedimento médico e me falou um pouco sobre o caso – fazendo piada e soltando aquela risada que ninguém esquece. Miguel Torres fica na memória da imprensa que fazemos por aqui. Os arquivos mostram sua diversidade em campo. Ele foi um exemplo do bom e sério jornalismo.

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