Tortura em delegacias não é “moda”, é tradição – e precisa ser investigada a sério

21/10/2019 16:37 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Hoje, quando querem se defender de uma acusação, dizem que foi torturado. Isso virou moda. A declaração é do delegado hipster Eduardo Mero, um dos homens fortes no aparato da segurança pública estadual. A opinião da autoridade foi uma reação à denúncia feita por Darcinéia Almeida, mãe de um garoto de 7 anos assassinado em Maceió. Ela afirma ter sido vítima de tortura física e psicológica. Policiais ameaçavam aplicar choques elétricos para forçá-la a confessar envolvimento na morte do filho.

Como escrevi aqui em texto anterior, um dado muito estanho – e até agora não explicado pelos doutores da Polícia Civil – é que a mãe do menino e o padrasto, José Roberto Morais, foram levados a depoimento no meio da noite. O casal só foi liberado durante a madrugada. Repito a pergunta do post citado: que exotismo é esse? E o que os detetives estilosos têm a dizer sobre isso?

Nesta segunda-feira, a novidade foi o vazamento do vídeo de um outro depoimento de Darcinéia, desta vez à Defensoria Pública. É nessa conversa com defensores que ela relata os momentos da tortura que, segundo suas palavras, sofreu na delegacia. No vídeo, a dona de casa aponta, na tela de um computador, as imagens de seus supostos algozes. Ela denuncia Bruno Emílio e Fábio Costa.

A conduta dos delegados foi posta em xeque no último dia 16, quarta-feira da semana passada, quando as acusações do casal vieram a público. Cinco dias depois, as reações na Secretaria de Segurança – e, portanto, no governo em geral – são as piores possíveis. Nesse intervalo de tempo, já houve a divulgação de duas notas oficiais. O foco de ambas é defender a polícia e ignorar os fatos.

Depois que a versão do casal foi noticiada, a Defensoria Pública pediu ao governo o afastamento dos delegados que investigam o homicídio. Parece algo lógico, mas, pelo visto, o governo não pretende seguir a orientação. Já os delegados, além de tratarem a denúncia como “descabida”, garantem que ninguém será afastado, e ponto final. Espero que a Defensoria não se amedronte com os hipsters.

Agora volto às palavras do doutor Eduardo Mero que abrem este texto. Acho que ele comete uma pequena confusão ao expor suas ideias sobre violência policial. Não, meu caro, a “moda” não é denunciar a prática de tortura. A tradição – e não um modismo passageiro – em delegacias brasileiras é a existência de tortura. A realidade não deixa de existir por ordem de valentões da Polícia Civil.

No meio da controvérsia, para não variar, nossa gloriosa OAB está sempre ali, na moita, fugindo de atritos com o poder. Não é a primeira vez que escrevo sobre a covardia da Ordem quando está em jogo a proteção de vítimas de abuso estatal. Sabe como é, não é bom melindrar a turma do topo.

O governador Renan Filho gosta de anunciar a “nova” Alagoas. Não sei quanto aos demais setores, mas na área de segurança, ô turminha pra gostar de uma confusão. A ficha corrida do secretário Lima Junior combina com certo “voluntarismo” de seus rapazes. Ah, e eles não gostam de ser contestados.

Se há uma denúncia, devidamente formalizada junto à Defensoria, que seja investigada. Mas os delegados já adiantam que nada disso deve ocorrer. Diante dessa postura, que o Ministério Público cumpra suas obrigações. O problema é a ligação visceral entre a instituição e o governo. Aí já era.

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