Autoritário, governo Bolsonaro joga tudo na guerra entre os três Poderes da República

06/10/2019 15:12 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. É o que está escrito no Artigo 2º da Constituição Brasileira. Com redação cristalina, os termos da Carta não permitem margem para interpretações. Como na prática a teoria é outra, o que mais se vê por aí são iniciativas que sabotam esse preceito básico da Lei maior do país. Na rotina da vida pública, agentes do aparato institucional, vez por outra, investem contra as prerrogativas exclusivas de um dos Poderes. Isso nunca acaba bem.

Pesadas crises políticas tendem a criar o ambiente propício aos embates entre parlamentos, governos e sistemas de justiça. É esse o quadro que temos, e não apenas no Brasil. Basta ver o terremoto que sacode o Peru. Por lá, o presidente dissolveu o Congresso, que destituiu o presidente, e a bagunça se instalou. Ao impasse se junta a Suprema Corte, tornando a situação mais grave.

Mundo afora, é fácil verificar algo semelhante – da Venezuela à Rússia, da Argentina ao Reino Unido. A instabilidade italiana, quase permanente ao longo das últimas décadas, ilustra à perfeição a delicada convivência das três esferas. Nas democracias sólidas, as tensões político-partidárias põem em xeque a harmonia entre os Poderes, mas nunca ameaçam a essencial independência.

De volta ao Brasil, vejam o que disse neste sábado o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara Federal. Em São Paulo, ao participar de um evento da revista Piauí, ele afirmou que o presidente Jair Bolsonaro “tinha na cabeça que podia governar por decreto”. Acertou em cheio. E é por isso que o governo vive essa relação de amor e ódio com deputados e senadores. O capitão é antidemocrático.

Embalado pela histeria de apoiadores nas redes sociais, o presidente acreditou que não teria limites a suas intenções – muito menos aceitaria ser enquadrado por Câmara e Senado. No choque com a realidade, vieram as derrotas em votações e, em decorrência disso, o clima de hostilidade entre o Planalto e a tropa legislativa. Bolsonaro aprende na marra que estava enganado: não é um imperador.

Uma das maiores humilhações para o governo foi o caso da liberação geral de armamento. Sem qualquer tipo de diálogo, de novo por meio de decreto, Bolsonaro queria dar porte de arma para meio mundo, a partir de critérios meramente pessoais. Nesse caso, viu o STF declarar o caráter inconstitucional da patacoada – e aqui o conflito da ocasião se expressa entre Executivo e Judiciário.

Outro exemplo é o tal pacote anticrime de Sergio Moro, que, entre outras coisas, dá a policiais uma licença para matar. Ao tramitar nas comissões da Câmara, os pontos mais deletérios foram retirados. Pois o governo ignora isso e lança uma campanha publicitária nojenta, incitando a população a defender aquilo que os parlamentares baniram do projeto. É uma afronta às regras básicas do jogo.

Algo parecido se deu com a nova – e necessária – Lei de Abuso de Autoridade. Depois do que se viu na condução criminosa da Lava Jato, com doutores do MPF chutando princípios legais com uma naturalidade pornográfica, impõe-se um freio a esse tipo de delinquência. Jogando para a plateia, o presidente achou de vetar pontos centrais da lei. Se deu mal. Os vetos caíram no Parlamento.

O governo começou com a certeza de que o cenário seria todo a seu favor: políticos com a moral no subsolo e a Justiça nas cordas. Assim, Bolsonaro e sua patota tinham certeza de que, fosse o que fosse, qualquer projeto seria enfiado goela abaixo do Legislativo. Quando descobre que não será fácil como imaginava, o capitão da tortura estrebucha de ódio. Daí para ações ensandecidas, é um pulo.

Como estamos no primeiro ano de gestão bolsonarista, é de se imaginar o quanto a relação entre os Poderes ainda vai gerar surpresas, tensões e ameaças. No meio do tiroteio, os maiores perigos recaem sobre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Nesse embalo, como evitar o pior?

É para isso que há um livro chamado Constituição da República Federativa do Brasil. Bolsonaro e Moro odeiam. Mas, para o bem do país, são aquelas páginas que nos garantem alguma segurança contra os desvarios de tiranetes e regimes autoritários. Fora desse metro, é o fim dos tempos.

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