Ciência Brasileira: vítima da insensatez legal e política

03/10/2019 11:06 - Fábio Guedes
Por Redação
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A situação para a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) brasileira é dramática. Enquanto tocamos nossas importantes atividades e tarefas, em Brasília se ergue uma articulação poderosa, liderada pelo Ministério da Fazenda, com grande apoio do Ministério da Educação, para extinção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através de Medida Provisória, e o completo esvaziamento da FINEP, retirando-lhe a Secretaria Executiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e passando para o BNDES, que tem missão e finalidades completamente diferentes da FINEP, além de não reunir o know-how técnico na área de CT&I. Isso pode ser um passo ousado para acabar com o próprio Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) em uma reforma administrativa.

A Lei do Teto dos Gastos (EC 95) impede o descontigenciamento do FNDCT. Em 2018 a reserva de contingência do Fundo foi de 80% e na PLOA 2020 alcança 87%. Assim, essa mudança de lugar da Secretaria Executiva do FNDCT significa a extinção também da FINEP e a demissão de centenas de qualificados técnicos, com elevado nível de conhecimento da infraestrutura de pesquisa e tecnológica brasileira, além de programas estratégicos de inovação.

Também na PLOA de 2020, o CNPq contará com apenas 16 milhões de reais para fomento à ciência (88% inferior a LOA 2019). Para recompor o orçamento de bolsas de pesquisa da instituição, na casa de 1 bilhão de reais, foram remanejados recursos daquela rubrica para essa. Como desenvolver projetos de pesquisa somente com bolsas? Uma coisa não se concebe dissociada da outra.

Para efeito comparativo, somente a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), destinou do seu orçamento em 2018, 459 milhões de reais em bolsas e 758 milhões para fomento à ciência e inovação. Para os anos de 2019 e 2020 os valores crescem na margem, porque a FAPESP conta com recursos obrigatórios definidos na Constituição Estadual, de 1% da Receita Corrente Líquida do Estado, e os sucessivos governos respeitam, ano a ano, esses repasses, desde 1962, data da criação da Instituição.

Persistindo essas diferenças no tratamento à CT&I, onde um ente subnacional compreende essas áreas como fundamentais e estratégicas, enquanto o governo federal as despreza, poderemos ter mais um período de crescentes desigualdades regionais no campo do desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, com prejuízos incalculáveis para país.  

Em relação a CAPES, para o ano de 2020, pelo que consta na PLOA 2020, ela contará com um orçamento de apenas 2,2 bilhões de reais (48% inferior a LOA 2019). Para o Nordeste, Norte e Centro-Oeste isso será catastrófico para o Sistema de Pós-Graduação. Dos 1014 programas nordestinos, 660 (65%) ficarão sem bolsas de mestrado e doutorado, se levado a rigor o critério da atual gestão da CAPES de que apenas os Programas de Pós-Graduação com conceitos 5, 6 e 7 terão recursos.

As alternativas de solução são pouquíssimas no momento e não resolvem a situação. A Lei do Teto dos Gastos impede maior espaço no orçamento da União para 2020. Uma das possibilidades é o remanejamento de recursos de outros orçamentos e rubricas para cobrir as graves deficiências na pasta de CT&I. Para que isso ocorra, depende da boa vontade e interesse político dentro da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional (CMO).

Entre os dias 01-02.10 a Iniciativa da CT&I no Parlamento (ICTP.br), liderada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que conta com a participação da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), Conselho de Secretários Estaduais de CT&I (CONSECTI), Conselho Nacional das Instituições Técnicas Federais de Ensino Superior (CONIF), Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (CONFIES) e Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), fez um importante movimento no Congresso Nacional, visitando o gabinete dos parlamentares da Comissão Mista do Orçamento, responsáveis pela elaboração da PLOA 2020, tentando os convencer da dramaticidade da situação e suas implicações para o país.

Mesmo contando com a simpatia e apoio de parlamentares da CMO, o raio de manobra é muito estreito e insuficiente para voltarmos a um patamar razoável de investimentos em CT&I, pelo menos ao nível da LOA 2019. Pois do contrário, o montante destinado em 2020 é 32% inferior ao desse ano (3,5 bilhões de reais apenas) e 25% apenas do nível alcançado entre 2013 e 2014.

Diante desse quadro, somente uma grande mobilização da comunidade científica, acadêmica, estudantil, parlamentar, empresarial e sociedades organizadas, poderá chamar atenção da população em geral das graves consequências da Lei do Teto dos Gastos e da falta de definição prioritária do atual governo para com o desenvolvimento cientifico e educacional do país.

Infelizmente, as primeiras vítimas fatais dessas duas situações são, justamente, aquelas áreas que poderiam liderar o rumo do país na direção do desenvolvimento econômico com mais soberania e liberdade.

 

Fábio Guedes Gomes é Professor de Economia da UFAL, Diretor Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas - FAPEAL e Vice Presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa - CONFAP

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