A decadência do telejornalismo em Alagoas

29/09/2019 00:38 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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No meio da década de 1990, a TV Alagoas (hoje TV Ponta Verde) viveu provavelmente um dos melhores momentos de sua história. E isso foi consequência de um investimento pesado na área de jornalismo. O ponto forte era a programação das manhãs. De segunda a sexta, a emissora ficava algumas horas com um programa no ar, alternando reportagens, entrevistas de estúdio e entradas ao vivo de repórteres com informações quentes sobre os acontecimentos na ordem do dia. Era sem dúvida uma boa e saudável novidade.

Naquela época eu trabalhava em televisão. Como editor e depois chefe de redação da TV Gazeta, sou testemunha de que a concorrente incomodou um bocado. Na bancada do telejornal da TV Alagoas estava o jornalista Bartolomeu Dresch. O auge daquela fase na emissora da família Sampaio foi a cobertura da crise no governo Suruagy. Em 17 de julho de 1997, vi a rival transmitir – ao vivo – os lances históricos que resultaram na queda do governador. Um marco por aqui.

Mas os tempos de glória se foram rapidamente. Logo veio o desmonte completo do projeto que havia sido implantado e tudo voltou ao que era antes: mundo cão, merchandising e jogadas políticas. De lá para cá, nunca mais a TV Alagoas chegou nem perto do que representou naqueles dias. Adiante, sufocada por dívidas, a família Sampaio vendeu a emissora, que hoje é só irrelevante.

Inaugurada em 1992, a TV Pajuçara chegou para fazer frente à hegemonia da afiliada da Globo. Ancorada na fortuna de usineiros e donos de mais negócios milionários, a empresa também abriu outro tempo na imprensa alagoana, com novos postos de trabalho, brigando pela audiência na faixa do jornalismo. Três telejornais diários eram alternativas aos produtos da velha TV Gazeta.

Ao longo dos anos 2000, quando eu já estava no jornal Gazeta, havia planos de expansão das duas maiores concorrentes no telejornalismo. Com a economia em alta na era Lula, travou-se uma guerra nos bastidores sobre uma nova concessão de TV para Arapiraca. Gazeta e Pajuçara se candidataram ao negócio, mas a coisa foi sumindo no horizonte até desaparecer por completo.

Voltando no tempo, em 1998, quando assumi a direção de jornalismo na TV Gazeta, abrimos uma sucursal em Arapiraca. Era a primeira vez que uma televisão mantinha uma equipe completa fora de Maceió, com notícias diárias do interior do estado. Se a memória não me trai, Vilcéia Mello e Giovani Luiz foram os primeiros repórteres contratados para Arapiraca. Também um marco.

Vinte e um anos depois, a mesma TV Gazeta que planejava nada menos que uma nova emissora no Agreste fecha a sucursal. O que foi um tremendo avanço, como falei, acabou num retrocesso brutal. A segunda maior cidade alagoana, um polo com amplo potencial de crescimento, deixou de interessar à Organização Arnon de Mello. É como se Alagoas se resumisse à capital.

A TV Pajuçara também chegou a abrir um escritório na terra do ASA. Era a promessa de uma produção de jornalismo a contemplar a população para além de Maceió. Salvo engano, não durou dois anos e nem chegou a apresentar resultado minimamente respeitável. Também aqui, mais uma vez, o investimento decorria apenas de demandas políticas. Jornalismo pra valer nunca houve.

Os três telejornais diários da Pajuçara foram simplesmente extintos! No lugar, aposta-se tudo nos tais programas policiais – o “mundo cão” a que me referi acima. Não há reportagem, não se investiga nada, não há sequer o que se poderia chamar de texto. Dublês de repórteres atuam como porta-vozes de policias e delegados, numa completa inversão do verdadeiro jornalismo.

Se você pegar a estrada em qualquer direção, saindo de Maceió, vai descobrir que, no interior do estado, quase ninguém assiste à programação das TVs alagoanas. No sinal aberto, o que predomina é o sistema de parabólica. Assim, nos horários dos telejornais, o alagoano vê as notícias do Ceará, do Rio, de São Paulo... Acabo de constatar isso como andarilho sem destino.

Em crise mais do que nunca, as maiores empresas de comunicação seguem firmes no ataque a seus departamentos de jornalismo. É claro que a consequência – natural e implacável – é a decadência cada vez mais profunda. O que temos hoje de programação local nas três emissoras vai do constrangimento ao degradante mercadão publicitário disfarçado de notícia. Um desastre.

E pensar que, duas décadas atrás, TV Alagoas, TV Pajuçara e TV Gazeta viviam o oposto de tudo isso, com uma produção vibrante, numa rivalidade tão necessária quanto estimulante aos profissionais. Nos dias atuais, demissões em massa, fechamento de sucursal e ações amadoras resumem o retrato do nosso telejornalismo. Pior: quanto ao futuro, as perspectivas são dramáticas.

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