A morte de Paulo Henrique Amorim, a vingança da Globo e o ódio entre jornalistas

14/07/2019 02:20 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Na guerra ideológica brasileira, ele é o pai de uma sigla. Paulo Henrique Amorim inventou o PIG – Partido da Imprensa Golpista. A expressão traduzia a postura do jornalista, depois que ele passou a integrar o time da Record TV, a partir de 2003. Ao contrário do que pode pensar algum desavisado, o “golpismo” denunciado por PH é anterior àquele apontado por setores da sociedade e que se materializaria no impeachment de Dilma Rousseff. O jornalista morreu no dia 10/07.

Depois que criou na internet a página Conversa Afiada, PH radicalizou o discurso, sempre com ataques aos grandes veículos da imprensa e a profissionais que trabalhavam nessas empresas. O alvo principal era a Rede Globo, onde Amorim atuou na década de 1990. Nos governos de Lula e Dilma, ele comprou briga com um incrível número de colegas de profissão. Na maioria das vezes, o tom de suas críticas descambava para ilações, à base de grosserias, por motivações pessoais.

Dia desses escrevi aqui sobre o afastamento de PH do Domingo Espetacular, que ele apresentou por 13 anos na Record. Fechada com Bolsonaro, a emissora do bispo Edir Macedo passou a ver no jornalista um problema, uma vez que ele batia sem dó no governo do capitão fã de tortura. Celebrado por gente da esquerda, para bolsonaristas PH era um abominável inimigo a ser abatido.

A chamada grande imprensa quase escondeu a morte de Paulo Henrique Amorim. Sim, saiu em todo canto, mas a verdade é que em alguns veículos o espaço foi praticamente zero. Os jornalões, sobretudo O Globo e Estadão, não foram além de um resumo básico da carreira do jornalista, sem aquela repercussão previsível para uma personalidade conhecida e tão influente.

Nos telejornais da TV Globo, a morte de PH não entrou na escalada – as manchetes das principais notícias que serão apresentadas no decorrer dos programas. Do Bom Dia Brasil ao Jornal da Globo, a informação saiu com o mesmo texto, com duração de inacreditáveis 22 ou 23 segundos. E uma curiosidade: a imagem de PH nem foi exibida no JN – o que no jargão da TV é “nota pelada”.

Não é o caso de comparar a relevância de personagens distintos a partir do trabalho que fizeram na imprensa. Apenas para ajudar nessa reflexão, você deve lembrar como foi a cobertura desses mesmos veículos ao noticiar as mortes de Ricardo Boechat e Clovis Rossi. Na Globo, os dois mereceram reportagens especiais, amplas, com depoimentos de amigos, parentes e autoridades.

Por que Paulo Henrique não teve o mesmo tratamento na mesma Globo? Insisto na emissora dos Marinho. A pobreza de informações ao dar a notícia pareceu um evidente gesto de desprezo pela trajetória do jornalista. Foi como se os 20 segundos do JN – sem imagem – traduzissem uma irrelevância do morto, na versão da TV carioca. Um troco ao inimigo, mesmo depois de sua morte.

E por que a Globo não resistiu à vingança, ainda que seu alvo já não existisse mais? Porque, no Conversa Afiada, e também em palestras e nos livros que escreveu nos últimos anos, PH achincalhava os donos da Globo com uma frequência obsessiva. Tratava os herdeiros de Roberto Marinho como verdadeiros gangsteres. Eram os cabeças do Partido da Imprensa Golpista.

Os donos dos jornais e revistas também não tinham motivos para apreciar o repórter. Com a mesma agressividade destinada aos Marinho, PH atirava nas demais famílias que dominam a imprensa nacional. Foi um caso realmente inusitado no jornalismo brasileiro – o de alguém que conseguiu ferir duramente os dois lados do balcão, cultivando o ódio de patrões e colegas.

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