As relações perigosas para um jornalista

18/06/2019 04:36 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

O jornalista Mauro Naves é um dos rostos mais conhecidos da imprensa esportiva brasileira. Fazia parte até ontem do primeiro time da Globo. Fazia, porque ele foi afastado de suas funções quando explodiu o caso da acusação de estupro contra o desmiolado Neymar Jr. Segundo a emissora, o erro do profissional foi ter repassado o número do telefone do pai do jogador ao advogado que trabalhava para a baiana Najila Trindade, a modelo que denunciou o atleta. Mas isso é errado mesmo?

Depende. A Globo tratou o problema de modo pra lá de barulhento, comunicando o afastamento de seu repórter em pleno Jornal Nacional. “Há evidências de que suas atitudes nesse caso contrariaram a expectativa da empresa sobre a conduta de seus jornalistas”, disse Willian Bonner no JN. Naves está fora da equipe “até que os fatos sejam devidamente esclarecidos”. Na verdade, ninguém acredita que a decisão tenha sido motivada pela simples história do telefone. A punição seria exagerada.

Paira sobre o jornalista suspeita bem mais grave. Leio no UOL que a Globo tem informações de que Mauro Naves tentou mediar um acordo entre as partes. Ele soube do episódio antes de todo mundo, mas, ao invés de atuar como jornalista, trabalhou para abafar tudo. Quando o assunto foi revelado pela concorrência, o pai de Neymar entregou o repórter. Ele então alegou aos superiores que tentava uma reportagem em primeira mão, contando os fatos com exclusividade na Globo.

Não convenceu. A confusão serve de exemplo de como são delicadas as relações entre fonte e jornalista. As áreas mais explosivas nesse sentido são a política e o esporte. Lidar com políticos e cartolas – que dupla! – requer cuidados extremos. Em primeiro lugar, nessas horas, é um perigo misturar amizade com apuração de assunto de interesse público sobre o qual o cara vai escrever.

Os melhores manuais de jornalismo recomendam, com ênfase, que o profissional deve evitar alguma intimidade com suas fontes. A proximidade além da conta tem tudo para, mais cedo ou mais tarde, virar uma armadilha para o repórter. Aquele que se sente íntimo do jornalista, sendo ao mesmo tempo um informante, pode criar expectativas na direção oposta ao que deve estar na notícia.

Aí como é que fica? O jornalista amigo fará a reportagem mesmo que isso contrarie sua fonte? Quem sabe prefira, em consideração ao histórico de colaboração, ceder às pressões do velho colaborador. Esse tipo de dilema é mais comum do que talvez imagine o glorioso leitor – aquele que merece as informações do jeito mais transparente possível. O pecado de Mauro Naves teria sido esse.   

Em minhas temporadas na coordenação de redações em Alagoas esta foi uma preocupação permanente. Por aqui, como ouvi incontáveis vezes ao longo da vida, “todo mundo conhece todo mundo”. É um dos motivos que deixam tantos jornalistas receosos de comprar briga com figuras poderosas da província. Bater em doutores – como juiz ou promotor, por exemplo – tem certo risco.

“Setorista”. Taí uma palavrinha que nunca me agradou. O setorista é aquele repórter que cobre todo santo dia o mesmo ambiente – o clube de futebol, a Assembleia Legislativa, a Câmara Municipal, as delegacias. Não raro, a convivência pode transformar o jornalista quase num parceiro dos sujeitos que ele deve, antes de tudo, vigiar. Da camaradagem para a cumplicidade, é passo curto.

Pode parecer estranho, mas jornalista não deve ter tantos amigos – sobretudo nas rodas dos poderosos e afortunados. Fazer jornalismo pra valer não combina com oba-oba e convescotes patrocinados por gente que você tem obrigação de fiscalizar. Penso nisso toda vez que vejo “cafés da manhã” e “confraternizações” entre colegas de profissão e donos de altos cargos na esfera pública.

O mesmo, naturalmente, vale para ricos empresários, sempre muito ansiosos para posar de grande coisa nas páginas de economia ou nas colunas sociais. No mínimo. O interesse da sociedade não se harmoniza com esse tipo de promiscuidade. Ao que tudo indica, mal comparando, foi mais ou menos por aí que Mauro Naves caiu na tentação – o que acabou se revelando uma cilada mortal.

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