O presidente Jair Bolsonaro deu uma de João sem braço. Como se estivesse fazendo a coisa mais simplória do mundo, assinou um decreto que, na prática, avacalha as regras e os critérios para a concessão do porte de arma. Pela decisão, os requisitos pra demonstrar real necessidade de portar um revólver, por exemplo, agora são todos subjetivos. Mais uma confusão no meio da crise.
Sabemos que este será mais um tema a ser judicializado. O Supremo Tribunal Federal já analisa uma ação que tenta anular o decreto de Bolsonaro. A ministra Rosa Weber deu prazo de cinco dias para que o presidente preste informações. Mas o que eu quero falar mesmo é das categorias profissionais que, se ficarem valendo as novidades, passam a ter direito ao porte. Jornalistas foram contemplados.
Sim, eu mesmo posso alegar necessidade de uma pistola, para me defender de eventuais balas perdidas. O decreto de Bolsonaro diz que o jornalista que atua com o noticiário do mundo policial tem direito automático a andar armado. Eu desconfio que nossos âncoras consagrados nesse segmento não esperaram por autorização legal. Podem regularizar a situação nos próximos dias.
Fato é que o presidente decidiu dar uma força à turma da imprensa que ele mais admira – de Datena a Ratinho. Por uma dessas coincidências da vida, esse perfil de jornalista reza nos mesmos valores da bíblia bolsonariana. São os mesmos que fizeram campanha para o capitão da tortura e hoje, com adesão rasteira, bajulam o eleito em tudo. É o jornalismo chapa-branca e sócio do governismo.
Como basta o sujeito declarar que exerce a atividade “perigosa”, qualquer profissional da imprensa pode se apresentar como parte do “jornalismo policial”. Com essa facilidade, será que teremos, num futuro próximo, a rotina de ver repórteres flanando pela cidade, entre uma pauta e outra, com uma arma na cintura? Só o fato de haver tal possibilidade diz muito sobre como afundamos.
Além da esfera judicial, o decreto do faroeste será alvo da Câmara e do Senado. Os termos do que foi publicado são escandalosamente exclusivos do parlamento. Bolsonaro invade e atropela as prerrogativas do Congresso. É de se esperar, inclusive pelas reações imediatas, que o decreto seja derrubado. A coisa é tão especialmente abusiva que nem dentro do governo existe consenso.
Seja como for, é mais uma medida sob encomenda pra alimentar os fanáticos das ideias defendidas pelo presidente. É uma “bandeira” dos cristãos conservadores o sagrado direito de mandar bala em vagabundos. Por isso muitos já fazem as economias para adquirir sua potente arma de fogo. Como o povão não tem nem pra comer, pode pintar a “Bolsa Pistola”, na ironia do jornalista Voney Malta.
Se jornalista já não tem lá boa fama, imagine a partir de agora, com a virtual autorização para portar um revólver 38 ou coisa de maior calibre. Somos vistos como arrogantes, donos da verdade, geralmente longe de se importar de fato com as pessoas. Pensando em alguém desse modelito, não parece adequado autorizar que saia às ruas com uma pistola sempre que assim desejar. Não dá.
E os militantes que ameaçam e matam todo e qualquer desafeto pelas redes sociais?! Muitos desses milicianos virtuais, ressalto, são jornalistas. Devidamente armados, como esses valentões agiriam no meio de um “debate” real, cara a cara, com adversários ideológicos? Na primeira treta, aposto que sacariam o revólver. Já imagino colegas de profissão marcando duelos ao cair do sol.