O crânio de Agamemnon e o bairro do Pinheiro

11/02/2019 14:22 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
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O arqueólogo alemão Heinrich Schliemann (1822-1890) ficou famoso mundialmente por ter descoberto as ruínas de Tróia e Micenas, território turco atualmente. Conta-se que nas escavações do sítio arqueológico onde existia a formidável civilização que entrou em guerra com os gregos, evento imortalizado na obra-prima Ilíada, de Homero, Schliemann encontrou um crânio.

Imediatamente, segundo a narrativa, ele atribuiu aquela carcaça aos restos mortais do grande Agamemnon, rei de Micenas, irmão de Menelau que foi traído por Helena em sua paixão arrebatadora pelo príncipe troiano, Páris.

Diante da sumária conclusão do arqueólogo, os assistentes e pesquisadores que o acompanhavam levantaram suspeitas sobre a hipótese, pois tinha sido apenas, naquele momento, um achado, carente de estudos mais profundos. Portanto, a afirmação de Schliemann poderia colocar toda a expedição em suspeição. Diante dos questionamentos e dúvidas suscitadas, Schliemann tomou o crânio em suas mãos e disse: “Pois bem, se ele não é de Agamemnon, de quem é, então?” (*)

Essa história ilustra o que vem acontecendo com o bairro do Pinheiro. A ausência de um diagnóstico técnico-científico mais robusto, desinteressado e realizado por especialistas sobre a matéria, tem provocado uma situação de extrema desconfiança e pânico entre os moradores, comerciantes e proprietários de imóveis na região, com consequências imprevisíveis.

Sem a colaboração direta da ciência e da tecnologia subsidiando diagnósticos, relatórios e possíveis ações para remediar a situação, não se pode chegar a qualquer tipo de conclusão primária, orientação técnica ou, ainda mais grave, previsão do que pode acontecer, promovendo ainda mais um “clima de terror” entre os moradores com informações completamente desencontradas.

Assim como a suposição de que o crânio achado nas ruínas arqueológica de Tróia seria de Agamemnon, numa demonstração de relapso científico e preocupação com o sucesso repentino, as precipitadas “análises” feitas sobre o bairro do Pinheiro tentam responsabilizar uma grande empresa com mais de quatro décadas de operação no ramo da mineração.

O efeito catástrofe dos eventos da Samarco e da Vale, em Minas Gerais, contamina direta e indiretamente o problema no Pinheiro. Toda atividade econômica de extração mineral envolve riscos elevados. Nesse sentido, não se deve descartar qualquer hipótese da atuação da empresa e suas consequências naturais naquele bairro. Entretanto, além de outras possibilidades serem tanto quanto fortes, é muito temerário apontar culpados nesse instante. A preocupação central é encontrar as razões do problema, se é possível conviver ou não com ele, antes de decisões estruturais de elevada complexidade social e econômica.

A comunidade do bairro do Pinheiro e as autoridades públicas têm razão em exigir uma explicação rápida e a mais próxima possível do razoável em termos de diagnóstico. Porém, algumas declarações de ordem “técnica” publicadas pela mídia local, feitas por pessoas que deveriam, justamente, tranquilizar e confortar principalmente os moradores, estão alcançando o efeito contrário, trazendo transtornos e aumentando o clima de tensão. Os próprios moradores do bairro se queixam disso.

Por exemplo, um desses técnicos declarou em entrevista que diante de “qualquer chuva torrencial que houver no Pinheiro, é importante que as pessoas deixem as casas e voltem após as chuvas”. Qualquer chuva torrencial? Em que medida pluviométrica? Qual relação das chuvas com o sistema de drenagem e esgotos do bairro? Qual a correlação existente entre a atividade mineral desenvolvida pela empresa na área com as chuvas “torrenciais”? Que influencias exerce a captação de água através de poços artesianos em um solo com tendência à situações de colapso?

Além desses aspectos, informações circulam dando conta que mais de 50 pesquisadores estão envolvidos com a operação de investigação do problema. Até o Serviço Geológico norte-americano seria acionado! Quando, por exemplo, aconteceram os problemas provocados pela Samarco e Vale, a comunidade científica em Minas Gerais foi mobilizada. Vários pesquisadores e técnicos das universidades mineiras têm sido demandados para entrevistas, comentários e elaboração de laudos e estudos sobre as causas do rompimento das barragens, assim como sobre suas inúmeras consequências.

Por intermédio do Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE), Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL), alguns especialistas de nossas instituições de pesquisa estão participando do processo. Mas só agora, e não desde o início, quando o Serviço Geológico do Brasil passou a monitorar a situação. Pode-se fazer muito mais, acionando nossas redes de cientistas e pesquisadores das grandes universidades brasileiras, nas áreas, por exemplo, de geologia, geomecânica, engenharia de solos e fundações etc.  

Avançar mais rapidamente é extremamente importante nesse momento, pois do contrário notícias espetaculosas como a possibilidade de o bairro afundar, ou soluções mágicas de transformar aquela área em um bosque, tomam forma, contribuindo para deixar os moradores ainda mais apreensivos, alimentando o espírito especulativo dos negócios, alguns deles em crescente evolução causada pelo clima de terror.

Não precisamos de um “crânio de Agamemnon”, tampouco de um clima de pavor, desinformação e desencontros - que só aumentam o sofrimento das famílias – e entrevistas alarmistas por parte de alguns técnicos envolvidos na operação Pinheiro. A população precisa escutar das autoridades públicas um discurso sólido, coerente e balizado nas adequadas avaliações técnico-científicas, mesmo que seja para contrariar os interesses objetivos que predominam no momento, sem as devidas teses comprovadas.

 

(*) Servi-me de um dos brilhantes artigos do Delfim Netto, de 16.12.1987, publicado no livro coletânea de seus textos, quando era colunista semanal do jornal Folha de São Paulo, para introduzir o assunto e fazer a metáfora. Ver o artigo em CANZIAN, Fernando. Delfim Netto: o animal econômico. São Paulo: Três Estrelas, pp. 45-46.

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