Em dezembro de 2010, pesquisa Datafolha revelou que o então presidente Lula encerrava seu segundo mandato com aprovação de 83% dos brasileiros. Para o Ibope, o índice era ainda mais alto, batia em 87%. Jamais houve nada sequer parecido em toda a história das eleições, desde que o voto entrou na vida do país. Pergunto: a popularidade de Lula significava que o povo, naquele tempo, era de “esquerda”? Oito anos depois, um notório vassalo da ditadura é favorito na corrida presidencial.
Mais que isso: Jair Bolsonaro passou toda sua vida de político profissional a exaltar tortura, grupo de extermínio e assassinato de quem ele considera “esquerdista” e “comunista”. Além disso, vomitou todo tipo de ofensa e preconceito contra homossexuais, negros, índios e mulheres – e tratou com especial desprezo a população mais pobre. O que acabo de dizer não é opinião. É fato concreto, devidamente gravado, em som e imagem, à disposição de quem quiser conferir na internet.
Um reacionário até a medula, o truculento capitão agora se apresenta como um “liberal” – uma piada que alguns de seus fanáticos seguidores fingem acreditar. Faço então uma segunda pergunta: se a maioria dos eleitores, apontam as pesquisas, vota em Bolsonaro, significa que hoje o povo é de “direita”? Tenho certeza que a resposta, nos dois casos, é “não”. A logorreia ideológica não tem nada a ver com isso, ao contrário do que rosnam os “pensadores” da “nova direita” que pasta por aí.
Um legítimo conservador – ou liberal, ou de direita, ou como você queira chamar nessa linha – deve ficar constrangido ao ser comparado a alguém como o messias Bolsonaro, esse espantalho de ideias rasteiras, autoritárias e criminosas. Nada mais distante de um pensamento verdadeiramente liberal que um sabujo especialista em violar princípios de civilidade, como o respeito à liberdade e aos direitos humanos. Se esse é o modelo ideal da direita nativa, é uma decadência de estarrecer.
Como já escrevi aqui, acho uma graça que figurões abastados na província alagoana, que se pretendem até intelectuais, estejam saracoteando seus profundos conhecimentos na defesa de um político da pré-história. O Brasil já teve “direitistas” de respeito. Fico imaginando o que diriam figuras como Roberto Campos, Paulo Francis e José Guilherme Merquior. No lugar deles, temos Paulo Guedes, Alexandre Frota, Mamãe Falei e Joice Hasselmann. É a escória travestida de renovação.
Bolsonaro, portanto, não representa ideais e valores desta ou daquela filosofia política. Isso é por demais sofisticado para alguém que simplesmente acha que a ditadura errou ao matar menos do que deveria. Ele é o resultado de uma crise, sim, que destruiu a economia e o sistema partidário. Foi o que sobrou para os revoltados com o “kit gay”! Seu triunfo será o teste mais arriscado pelo qual a democracia brasileira já passou desde que os militares saíram do poder e voltaram aos quartéis.
Daqui a uma semana, confirmadas as pesquisas, daremos o salto no escuro. E aí é esperar o governo que começa em janeiro. Quem disser que sabe o que vai ocorrer a partir de 2019 está fazendo astrologia e chutando aleatoriamente. Mas a hipótese de acirramento da crise é incontornável. Aí veremos como as forças políticas, do governo e da oposição, vão atuar num cenário imprevisível. O problema é que o virtual eleito é, em todos os sentidos, uma bela porcaria irrecuperável.
Tenhamos calma. O mundo não começou ontem e nem acaba amanhã – e o Brasil, repara só, já passou dos 500 anos. O labafero é grande, mas reafirmo o que já escrevi: não assino manifesto contra candidato nenhum – nem contra Bolsonaro. Se ganhar no voto, dentro das regras democráticas, e pela escolha da maioria, o jogo está jogado. Só não digo vida que segue porque esse clichê está na moda, e odeio modismos. Palavras... Não deixe a política dominar sua alma. É veneno mortal.
(Bom dia aos camaradas Fernando Coelho, Lelo Macena, Wado, Marcos Borá e Gil Maciel – amigos da vida inteira. Pensamos diferente, é claro; mas amizade é outra coisa. Aqui do exílio, às margens da lagoa e de frente para o grande nada, aquele abraço. Com a admiração e o respeito de sempre).