Bolsonaro, Haddad e os artistas

14/10/2018 04:39 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Regina Duarte visita Jair Bolsonaro e declara voto ao candidato do PSL. O ator José de Abreu reage ao movimento da atriz e afirma que ela não tem o direito de apoiar um fascista que defende a tortura. Caetano Veloso, que votou em Ciro Gomes no primeiro turno, entrevista Manuela D’Ávila para o coletivo Mídia Ninja. O baiano, agora, deve votar em Fernando Haddad. Artistas entram na guerra.

Preocupado com o cenário de ódio que tomou conta do país, e ainda mais desiludido com a ameaça bolsonarista, Arnaldo Antunes cometeu um novo poema. Ele também é, portanto, um eleitor de Haddad na etapa final das eleições. O texto-manifesto do ex-Titãs nos alerta sobre o perigo da escolha por um nome da extrema direita. Em resumo, literatura ruim por uma causa legítima.

Chico César, militante histórico do petismo, também recorre a sua arte musical para apontar rumos ao país. É um artista engajado em tempo integral. Assim como esses que acabo de citar, uma multidão de iluminados no campo da arte entrou com tudo na campanha presidencial. Não é propriamente uma novidade. A cada eleição, esse tipo de ocorrência volta em alguma medida.

Dessa vez, a eleição brasileira virou até polêmica internacional. Comentei em texto anterior o episódio com Roger Waters, do Pink Floyd, que foi vaiado num show em São Paulo ao criticar Bolsonaro. O astro ficou assustado com a reação do público. Por que a surpresa? O cantor esperava a adesão automática de seus fãs? Alguma coisa então se quebrou na relação entre o ídolo e adoradores.

Penso que, nesse caso, há uma defasagem entre os roqueiros de ontem e de hoje. É um diagnóstico superficial, eu sei, mas suspeito que a explicação da encrenca, em parte, é por aí. Roger Waters está, digamos assim, em outra dimensão, sob acordes e palavras de ordem que empolgaram jovens há uns 40 ou 50 anos. Imagino que um show do cara deve ser uma espécie de túnel do tempo.

É muito provável que a plateia de Waters, assim como a de outros dinossauros das guitarras, seja formada por um bom número de rebeldes veteranos. Em outras palavras, é gente aí na casa dos 50 anos em diante, levando os filhotes para que vejam de perto um roqueiro raiz. Mas esses mesmos fãs do passado hoje têm família, trabalho e compromissos sociais – são os “cidadãos de bem”.

Como falei em repercussão internacional, vimos a quantidade de famosos que, ao longo dos meses, saiu em defesa de Lula, preso por acusações que não foram provadas. Do “Lula Livre” ao “Ele Não”, até Madona resolveu orientar a cabeça desmiolada do brasileiro. Involuntariamente, bolsonaristas encenaram um número de humor ao acusar a cantora de agir por interesse: dinheiro e fama!

Tudo isso tem muita história. A manifestação de artistas sobre política sempre rende confusão. Na década de 1970, o cineasta Cacá Diegues reclamou das “patrulhas ideológicas”. Não era exatamente um elogio à militância de esquerda – que aliás coleciona episódios nebulosos quando se trata de, vamos dizer, guerra cultural. Nesse sentido, o documentário sobre Wilson Simonal é esclarecedor.

Nem vou falar aqui das tretas no asfalto do funk e no agronegócio do sertanejo, ambientes também conflagrados pelas eleições. Afinal, o artista tem a obrigação de revelar seu voto e pedir apoio para seu candidato? E o eleitor, no meio desse tiroteio, é assim tão influenciável à opinião de seu ídolo? Celebridades da música, da TV e do cinema podem mudar a decisão de alguém na hora do voto?

Para além das preferências de uns e de outros, não gosto nada dessa ideia de seres especiais – os artistas – dizendo ao povo o que deve ser feito. Sempre me parece uma mistura de arrogância, descolamento da realidade e certa dose de autoritarismo. Pode ser Chico Buarque ou Anitta, dá na mesma: as investidas de nossos astros e estrelas são sempre meio duvidosas no jogo da política.

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