Eleição é coisa de família

24/09/2018 03:25 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Primeiro, o plano da ficção. No jogo da política, e das eleições em particular, a gente imagina que as lideranças partidárias debatem a formação de alianças a partir de afinidades ideológicas – ainda que ninguém saiba exatamente o que isso significa. Na escolha de aliados, também se leva em conta o conjunto de propostas que cada um tem a apresentar aos eleitores. Na expressão que virou moda, candidatos discutem acordos segundo os mais nobres princípios “republicanos”. É bonito!

Agora, a vida como ela é. Na hora de selar acordos para uma disputa eleitoral, o que realmente pesa são coisas assim: apoio financeiro, tempo de TV na propaganda, veto a nomes tidos como inimigos, cargos na futura gestão etc. Mas há algo tão ou mais importante quanto todas essas variáveis. Refiro-me às relações entre famílias que se revezam no comando de prefeituras e governos estaduais.

Escrevo sobre essa tradição brasileira após encontrar no YouTube, por acidente, uma entrevista do prefeito de Santana do Ipanema, Isnaldo Bulhões. Ele explica ao jornalista Fernando Valões por que decidiu apoiar o governador Renan Filho, e não o senador Fernando Collor na eleição para o governo. (Para evitar ruídos, sabemos todos que Collor desistiu da candidatura há uma semana).   

Para quem não sabe, Collor e Bulhões são aliados históricos. Renilde Bulhões, mulher do prefeito de Santana, é a primeira suplente do senador. As duas famílias sempre estiveram juntas nas disputas pelo poder em Alagoas. Em 1990, Collor, então na Presidência da República, foi o cabo eleitoral decisivo para eleger Geraldo Bulhões, irmão de Isnaldo, governador do estado. A ligação é forte.  

Mas em 2018, o destino separou os dois. Ao justificar sua escolha, sem querer o prefeito de Santana dá uma aula sobre como se faz política por aqui. Diz ele: Infelizmente a política tem desses desencontros. E ele [Collor] resolveu sair candidato a governador, num direito que ele tinha, que pode ser justo, mas pegou a nós da família já com compromisso, que vinha marchando.

Nos quase cinco minutos da entrevista, Isnaldo Bulhões revela dois sentimentos opostos: lamenta a separação do antigo aliado, mas é enfático em garantir o pleno apoio a Renan Filho. Mesmo assim, a amizade entre as famílias continua. Bulhões é esclarecedor: Quem sabe se daqui a quatro anos a gente não se encontra de novo, com o Collor, com o Renan, com todo mundo junto

Compromisso familiar acima da esfera pública. Acordo entre os clãs. A força do parentesco. Essas ideias, que as ciências sociais tanto estudaram, continuam tão sólidas como nos tempos dos coronéis e dos engenhos. É essa visão de mundo que Isnaldo Bulhões expõe com uma naturalidade desconcertante. Seu jeito de falar é quase pedagógico – isto é a política, aqui é o Brasil.

E vamos nessa toada, pelo país afora, vendo um desfile de sobrenomes eternos, eternamente no poder. No próximo dia 7 de outubro, os de sempre estarão comemorando a vitória nas urnas – para fazer durante o mandato, vejam só, a “mudança de verdade”. Nosso voto ajuda a manter a tradição.

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