Farra de pesquisas interfere na eleição

23/09/2018 05:18 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Hoje tem pesquisa? Provavelmente sim. Embora desconheça dados estatísticos, com precisão matemática, arrisco dizer que jamais houve tantas pesquisas sobre eleição presidencial como ocorre em 2018. Sem exagero, suponho que, em média, saem pelo menos dois levantamentos por semana. Somente nos últimos dias, tivemos o Ibope e o Datafolha, cada um, com duas rodadas de consulta ao eleitorado. Há quem considere um exagero, sem nada que justifique tanto pesquisador em campo.

Desde que voltamos a escolher o presidente da República em eleição direta, lá em 1989, a realização de pesquisas se tornou algo de peso no processo eleitoral. Tão comum quanto a sondagem do eleitor é a desconfiança sobre os resultados apresentados pelos institutos. Motivos para suspeita existem de sobra. Ao longo da história, não foram poucas as eleições cujo desfecho desmentiu por completo as previsões de todas as pesquisas. Incompetência ou fraude? Nunca saberemos.

Falar em fraude, ou algo por aí, está mais para reação de candidato que fica para trás na intenção de votos. Mas isso não explica o tanto de disparate que costumamos ver a cada ano de eleição. De fato, as diferenças entre a tal “fotografia do momento” e a realidade das urnas, muitas vezes, estão acima do razoavelmente aceitável. Por isso a avalanche de acusações está logo ali, pronta para desabar.

Os mais contrariados querem a proibição pura e simples de pesquisas durante toda a campanha. Outros, menos radicais, defendem que haja um limite no calendário – divulgação somente até três ou duas semanas antes da votação, por exemplo. Esse tipo de ideia já andou pelo Congresso Nacional, na cabeça de parlamentares que pretendiam emplacar projeto de lei nesse sentido. Não deu.

Com tantos institutos na praça, trabalhando para vários clientes, seria natural que houvesse um debate mais sério sobre o tema. Se existe alguma coisa com forte poder de influência sobre os eleitores, então isso não pode correr de modo tão solto. É claro que há a Justiça Eleitoral, mas ninguém sabe ao certo como se verifica a consistência de uma pesquisa. E isso é possível?

É claro que as empresas que realizam esse trabalho garantem que tudo é feito com transparência e critérios científicos. O cidadão comum, no entanto, passa longe desse suposto cientificismo todo. O dado essencial é: pesquisa interfere sim na decisão do eleitor. Agora mesmo vê-se forte discussão sobre o tal voto útil. Esse voto só existe em decorrência do que mostram as pesquisas.

Outro dado que parece mais presente na atual campanha é a quantidade de pesquisas encomendadas por bancos e empresas de consultoria financeira. Quando divulgam esses números, os contratantes avançam na projeção de cenários que seriam de interesse de seus clientes. Assim, tais pesquisas mostrariam quem são os candidatos que podem melhorar o seu bolso.

Convenhamos que os motivos dos bancos e financeiras passam longe de interesses patrióticos. Num ambiente com esse foco, é até natural que haja alguma desconfiança quanto aos resultados. Afinal, na lógica do mercado, relevante mesmo é garantir a multiplicação do dinheiro – não necessariamente o nosso. Pior é a tabelinha do mercado com empresas de jornalismo. É conflito.

Para ficarmos com as marcas mais tradicionais nesse ramo, Ibope, Datafolha, Vox Populi, Gallup, Sensus e Ipsos já tiveram de explicar, mais de uma vez, as discrepâncias entre suas aferições e a vontade do eleitor que sai das urnas. E nem se fale nas gritantes diferenças entre números levantados num mesmo período, por institutos diferentes. Explicação singela: métodos desiguais.

Na eleição presidencial deste ano, o Instituto Parará entrou no seleto grupo dos que fazem pesquisa para clientes poderosos. A mais recente foi encomendada pela Empiricus, uma espécie de agência de especulação financeira, parceira do site O Antagonista, criado por egressos da revista Veja. Na página da Empiricus se lê isto: “Como você pode triplicar o seu dinheiro até 31 de janeiro de 2018”.

O assunto não é irrelevante. Vários países impõem restrições à divulgação de estudos sobre o voto dos cidadãos. Em alguns casos, é proibida a publicação a poucas semanas do dia do voto. No Brasil, apesar de raivosas pressões, em diferentes épocas, a prática está liberada até na véspera da votação – sem falar na consulta em boca de urna. Uma verdadeira indústria na fabricação de pesquisas.

A praga de pesquisas certamente provoca distorções, muitas na contramão de fatos de maneira inexplicável. E uma vez publicadas, o estrago se impõe de forma tão ampla, que nada mais consegue mudar o retrato devastador. Fazer o quê? Se existem encrencas, é urgente a criação de mecanismos de freios, de elementos capazes de evitar a manipulação deliberada da realidade.

Sem querer esticar e já esticando, pense ainda na cabalística “margem de erro, para mais ou para menos”. Taí um perigo nas mãos de quem eventualmente pretenda dar um jeitinho nos dados, puxando para baixo o índice de um candidato, e soprando para cima outro concorrente. Quanto maior a margem de erro, mais ampla a margem para um troca-troca entre o líder e o segundo lugar.

Como jornalista, mas não apenas por essa contingência discutível da vida, defendo a publicação das pesquisas. Mesmo contraditórias, mesmo com alguns resultados claramente distantes do mundo real, sou contra qualquer restrição à publicação de informações. Num país de tantos momentos em que vivemos sob a mordaça, o pior caminho é o da sonegação de dados ao eleitor.

E, pensando bem, na bagaceira em que o país vive nos últimos anos, o menor dos problemas é a opinião do eleitorado diante de um questionário nas mãos de um pesquisador. Afinal, até um dia desses, a única opinião levada em conta era a do mitológico Roberto Marinho. Não deixa de ser um avanço. Seja como for, redobre a atenção sobre as pesquisas – e na hora de cravar sua escolha.  

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..