Descobri por esses dias que há um eleitor bem particular nesta campanha para presidente da República. Trata-se do sujeito que pretende votar em Jair Bolsonaro, mas, pelo menos por enquanto, não admite essa preferência. É um tipo de pessoa que, mesmo sabendo o que representa o capitão desmiolado, não resistiu ao charme do valentão que apoia a tortura e flerta com racismo, misoginia e homofobia. É um eleitor que ainda não tem coragem de sair do armário e defender sua tara.
É fácil identificar o tipo. Ele aparece nos comentários ao que se publica na imprensa, seja em reportagens ou em colunas e blogs de opinião. Também assina textos pela Internet, sempre que seu candidato do coração é criticado. Mas, ao comentar a notícia, esse eleitor finge que está apenas apontando “erros” de jornalistas que estariam “perseguindo” Bolsonaro.
Um exemplo concreto. Vimos isso depois das entrevistas do candidato ao Roda viva (TV Cultura) e na Globonews. Li comentários mais ou menos assim: Olha, nem pensava em votar no Bolsonaro, mas do jeito que a imprensa esquerdista age contra ele, já estou balançado. Afinal, chega de política de gênero e dos defensores do aborto. Essa é uma tática retórica tão velha quanto delinquente.
Vamos ver um pouco mais sobre esse perfil que não tem coragem de assumir suas secretas perversões. Ele tem formação superior, é homem e tem renda entre a classe média alta e o topo da pirâmide. Ou seja, teoricamente é alguém que recebeu informações suficientes para pensar além da barbárie. Em seu caráter profundo, porém, tudo morreu na aparência. Ele gosta é de porrada.
E como esse meu virtual objeto de estudo circula em rodas chiques, frequenta restaurantes da moda e costuma posar de especialista em vinhos finos – além de se achar até um intelectual –, teme sujar essa imagem com a declaração de voto num brucutu ignorante. Mas ele não vacila na defesa do candidato, mesmo que não tenha a honestidade para revelar o voto. E acaba dando bandeira.
Como escapar dessa angústia não deve ser fácil, o eleitor enrustido culpa fatores externos pelo que é resultado de sua mais problemática intimidade. Não, ele não está “balançado” pelo Bolsonaro porque a imprensa é “esquerdista”. Essa é uma das maiores piadas que ouvi nos últimos tempos.
Para fechar esse esboço de radiografia do nosso eleitor no armário, acrescento que estamos falando do típico “cidadão de bem”: casado, pai de filhos, carola e pensador de redes sociais. O leitor conhece alguém assim? Provavelmente tem um deles bem perto de você, doidinho para se jogar na torcida.